Atuar no mercado imobiliário implica na necessidade de conhecer e respeitar inúmeras normas jurídicas. Afinal, trata-se de setor da economia responsável pelo fomento de operações, negócios e relações jurídicas envolvendo as pessoas, a posse e a propriedade imobiliária, desde, por exemplo, a concepção inicial de um projeto em um Loteamento ou Incorporação Imobiliária, à venda e locação de bens imóveis. LGPD
Lida-se, num só contexto, com o desenvolvimento econômico pautado pela livre iniciativa, bem como com o direito à propriedade privada e à moradia digna, constituindo todos elementos indispensáveis ao desenvolvimento da pessoa em Sociedade, seja em seus negócios seja em sua vida privada. E o Direito, como um importante elemento de pacificação da vida social, acaba se fazendo presente por meio da edição de inúmeras normas, cujo intuito é prevenir ou compor eventuais conflitos de interesses.
Ao estudarmos, historicamente, o desenvolvimento do mercado imobiliário, é perceptível que cada momento trouxe a necessidade da edição de uma determinada Lei para trazer firmeza e segurança aos negócios que ocorriam. Foi assim com a Lei de Incorporações na década de 60, com a Lei de Parcelamento do Solo no final da década de 70 ou com a “Lei dos Distratos” em 2018.
Na verdade, Direito, vale sempre reforçar, não é sinônimo de norma jurídica, sendo conformado também pelos fatos e valores sociais a ela atrelados. Por vezes, o Direito acaba vindo a reboque dos fatos e fenômenos sociais, algo, aliás, cada vez mais comum nesta atual Sociedade tecnológica e acelerada. Cria-se os patinetes elétricos e só então é buscada a regulamentação de seu uso. Cria-se novas formas de contratar, a exemplo dos contratos de locação “built to suit” ou a multipropriedade, para só então inseri-los num texto normativo. Exemplos como estes não faltam num mercado dinâmico e criativo.
Mas qual a relação desta reflexão com a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD)? Aliás, até que ponto a LGPD está ligada ou correlacionada ao mercado e negócios imobiliários? E a resposta é imediata: LGPD está intimamente ligada ao mercado imobiliário, como também a todo e qualquer mercado ou atividade que lida com os dados de pessoas naturais.
Ora, todos sabem que são colhidos, dentro do setor imobiliário, inúmeros dados pessoais para permitir não só o fechamento de negócios, mas também, antes mesmo, para fomentar a geração de leads e prospects, criação de vínculos e relacionamentos. Dados como nome, CPF, RG, e-mail, telefone, endereço, dados bancários, dentre outros são diariamente coletados por corretores, imobiliárias, construtoras, incorporadoras, loteadoras seja em ambientes virtuais ou em ambientes físicos, sendo proveniente das mais diversas fontes, desde o preenchimento de propostas, fichas cadastrais e de visita, cópias de documentos, imagens de sistema de segurança, até mesmo de bases compradas de terceiros, etc.
O que se vê é que, via de regra, não há controle nenhum desde a coleta, armazenamento, compartilhamento ou eliminação destes dados pessoais e todos acabam se perdendo neste emaranhado de fontes e informações, dando vazão, inclusive, ao uso e compartilhamento indevido, assim como a vazamentos e incidentes de segurança.
O que a LGPD vem impor não é a ausência de tratamento dos dados pessoais, mas, sim, uma moralização e maior proteção. Espera-se que o tratamento seja pautado pela transparência, adequação, finalidade informada e livre acesso do titular dos dados pessoais. Aliás, cabe a este o real domínio sobre as informações que compõem a sua pessoa e identidade, daí ser extremamente importante que os agentes do mercado imobiliário compreendam que devem zelar pelos seus clientes, conferindo-lhes, também, uma segurança quanto ao tratamento dos seus dados pessoais desde a coleta à eliminação.
Afinal, você consegue responder, com segurança, de onde vêm os dados pessoais que carrega consigo? Em qual ou quais locais estão armazenados e quem tem acesso a eles? Caso o titular dos dados pessoais – que deve ter o livre acesso a eles garantido –, peça informações ou a sua portabilidade, você tem condições de atendê-lo?
Pois é: é preciso adequar à LGPD, que traça os parâmetros gerais e mínimos necessários para uma atuação pautada pela privacidade e pela governança de dados. Obviamente, cada pessoa, física ou jurídica, em razão do porte de suas atividades, bem como da quantidade, qualidade e volume dos dados com os quais trabalha, terá uma jornada de adequação mais ou menos trabalhosa, no entanto fato é que todos devem se adaptar se não querem não somente sofrer as sanções administrativas, quanto também cíveis e até penais existentes em outras legislações.
Pois é, a LGPD veio consolidar a cultura da proteção à privacidade, mas outras normas protetivas já existiam, a exemplo daquelas existentes no Código de Defesa do Consumidor, no Marco Civil da Internet ou na própria Constituição Federal. A mudança é apontada como uma necessidade para a própria sobrevivência dentro de um mercado cada vez mais pautado pelo profissionalismo e por um cliente antenado e exigente.
Assim, independentemente das sanções existentes, o que mais atemoriza a todos é ter sua atividade ou exercício profissional colocado em xeque por comportamentos duvidosos ou desrespeitosos. Relacionamento e confiança hoje são fatores extremamente essenciais, daí porque tratar adequadamente os dados pessoais passa a ser condição para a própria sobrevivência no mercado.
Então, “mãos à obra” rumo à implementação?! Pode parecer difícil, até porque, como os próprios profissionais e consultores em Direito e Tecnologia insistem em defender, não existe uma “receita de bolo”. Do mesmo modo, pairam ainda incertezas, que – acredita-se – serão sanadas a partir de uma atividade plena e efetiva da Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD). Por fim, pensar em adequação e implementação, acaba sendo tormentoso, porque envolve organizar “a casa” e, portanto, tempo, disposição e desapego.
Sim! Importantíssimo desapegar!!! A ideia é trabalhar com o mínimo de dados pessoais possível e na medida da real necessidade. Nada de guardar dados, por anos e anos, de pessoas com as quais não possui mais qualquer tipo de relacionamento. Nada de coletar e tratar dados desnecessários para as finalidades propostas e, muito menos, para os quais não obteve o consentimento expresso e informado do titular ou, nem mesmo uma justificativa amparada em uma das outras bases legais trazidas pela LGPD.
É preciso compreender, de uma vez por todos, que os dados pessoais têm dono e compõem a identidade de alguém. Quem os colhe e trata passa a ter por eles responsabilidade, passando a ser – pode-se dizer, por analogia –, uma espécie de “depositário fiel” deste bem. Dado pessoal, assim, é assunto que deve ser tratado com respeito e seriedade.
Para iniciar seu processo de implementação, compreenda, primeiramente, os dados com os quais trabalha hoje e com o quais quer e precisa trabalhar. Faça o mapeamento destes dados, avaliando-os e revise, então, o que se fizer necessário. Entenda, enfim, que não basta alcançar a adequação à LGPD. É preciso permanecer em conformidade!
Autora: Josiane Mafra – @josianemafra – Advogada graduada pela Universidade Federal de Viçosa (UFV/MG), assessora e consultora jurídica, especialista em Direito Público (UNEC) e em Planejamento, Implementação e Gestão de Cursos de Educação a Distância (UFF-RJ). Mestre em Meio Ambiente e Sustentabilidade (UNEC). Articulista, parecerista e palestrante, com experiência, há 17 anos, junto aos mercados imobiliário, urbanístico e ambiental. Membro do Instituto dos Advogados de Minas Gerais (IAMG). Autora de diversas obras, dentre elas o “Livro digital de Documentação Imobiliária: aspectos teóricos e práticos” e o “Guia digital de Contratos Imobiliários”.