Incorporação de municípios pequenos a vizinhos de maior porte gera insegurança jurídica, aponta especialista pacto-federativo
Está em tramitação na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) do Senado a PEC nº 188/2019, que institui a reforma do pacto-federativo. A proposta integra uma série de reformas tidas como essenciais pelo governo federal para equilibrar as contas públicas e retomar os investimentos – além desta, as reformas da Previdência, tributária e administrativa são outros exemplos.
Assinado por 33 senadores da base governista, o texto prevê, dentre diversas outras medidas, a extinção de municípios cuja população seja inferior a 5 mil habitantes e a arrecadação própria – fruto de impostos como IPTU, ITBI e ISS – seja inferior a 10% do total. De acordo com o secretário da Fazenda do Ministério da Economia, Waldery Rodrigues Jr., os critérios podem atingir 1.254 cidades.
O advogado Márcio Moraes, sócio do escritório Dias & Amaral, explica que esses municípios serão incorporados aos maiores municípios vizinhos caso a PEC seja aprovada tal como colocada originalmente. Em palestra no fórum imobiliário realizado pela Smartus em Brasília, ele destacou que, dentre as 30 emendas já apresentadas ao projeto, apenas cinco dizem respeito à extinção dos municípios e somente três solicitando remoção dessa medida.
“Menos da metade dos representantes de municípios que podem ser afetados veio à Brasília para iniciar discussões sobre essa proposta. A possibilidade é real e está avançando [pelo menos no Senado]”, alertou Moraes durante o fórum.
Por que o alerta? Quais impactos essa proposta pode ter sobre o mercado imobiliário?
De acordo com o especialista, em entrevista exclusiva à Smartus, a principal consequência negativa é a insegurança jurídica, pois uma vez incorporado por outro município, todas as regras e diretrizes deixam de valer e passam a ser as do município incorporador, que também deverá ter problemas: “O município que incorporou vai ter que mexer no seu ordenamento para receber outros [municípios] menores”, avalia.
“Pode ser que o maior município tenha plano diretor ou não. Independentemente, nas suas leis de zoneamento, naquilo que pode e que não pode, ele irá receber um território muito longe do seu núcleo urbano. Ele vai ter que passar a tomar conta de dois territórios urbanos e, normalmente, de uma área rural no meio do caminho. O que ele vai fazer com a área rural, não se sabe, porque vai ser um cenário totalmente novo”, completa Moraes.
No tocante ao desenvolvimento imobiliário, trata-se de um contingente habitacional de 4 milhões de pessoas, mas o principal efeito imediato tem recaído sobre projetos voltados ao turismo – parques, resorts, multipropriedades: “O estado de Goiás, por exemplo, tem uma região – o Vale do Araguaia – onde vários municípios que têm potencial turístico muito grande podem ser extintos”, afirma. Segundo Moraes, há notícias de empreendedores que recuaram em seus projetos.
“Já tivemos consultas de clientes, principalmente nessa parte jurídica, por conta da nova lei da multipropriedade, querendo investir nesses territórios, mas recuando com receio de aprovarem algo no município e no meio do caminho serem forçados a cancelar os seus investimentos”, ilustra Moraes.
Outras possibilidades pacto-federativo
Na possibilidade de serem extintos a partir de 2026, conforme previsto na proposta original, os municípios têm algumas alternativas para crescerem ou se tornarem mais robustos em arrecadação própria: “Ou ele [município] vai dar incentivo fiscal para indústrias e mercado imobiliário para ocupar aquele território com pessoas e gerar riqueza por conta disso, ou vai onerar as empresas que estão lá [para elevar a arrecadação]”, afirma o especialista.
Nesta segunda opção, a insegurança jurídica é ainda maior pelo menos até que seja definida a reforma tributária, cujas propostas preveem unificação de impostos, como o ISS municipal, em um só (o IVA).
Por outro lado, assim como pode ser prejudicial, a reforma do pacto-federativo também pode incentivar investimentos caso haja mobilização do setor privado com os poderes públicos locais e estaduais, contrapõe Moraes.
Ao que tudo indica até o momento, há boas chances de a medida avançar, ainda que seja considerada um dos possíveis pontos de exclusão em um processo natural de desidratação da matéria no Congresso. “Vai haver muita pressão sobre os políticos para eles alterarem [o texto] e, ao mesmo tempo, uma possibilidade de argumentação dessa matéria muito fácil, pois se trata de uma economia de xis bilhões de reais por ano. Na visão jurídica, é de uma insegurança tremenda, mas ela se justifica economicamente”, encerra o especialista.
Por Henrique Cisman
Fonte: Smartus