Não faltam matérias na internet sobre multipropriedade e a famosa sistemática do time sharing. Muitas iniciam bem e decaem no mesmo equívoco entre expressões que se subdividem a cada parágrafo, até o embaralhar total da cabeça do leitor.
Assim como as matérias, seguem os contratos de grandes redes com o misturar de fundamentos do tempo compartilhado como serviço e tempo compartilhado como direito efetivo e real de propriedade
São diversas as opiniões que cerceiam os assuntos e, crescente o número de demandas judiciais quanto às práticas usuais de venda; acabando por denegrir a imagem dos institutos, que, ao meu ver, são de excelente ideia, utilidade e valia.
Como já destaquei em outra matéria publicada sobre o tema, tanto a sistemática do time sharing, como o direito de co-propriedade vislumbrado na multipropriedade, surgiram com o objetivo de oportunizar à um número maior de pessoas o uso e gozo de unidades de alto padrão ou de clube de férias (prestação de serviços) disponibilizados por uma fração de tempo prevista em contrato, convenção e regimento interno.
Ambas iniciaram há muitos anos em períodos de crise e recessão pós-guerra, na busca de lazer familiar como patrimônio (seja de direito de uso ou também propriedade), sem onerar em demasia as famílias, posto que os recursos eram escassos.
Ainda vigentes e pós muita discussão ao longo dos anos, promulgou-se a Lei 13.777 de 2018, que, como divisora literalmente de águas, enleou parâmetros e regulamentou um dos institutos, o qual de maneira sucinta irei falar e tentar desmistificar a ideia confusa que se tem entre ambos (não como doutrinadora mestre do assunto, mas, aplicadora do direito prático e apaixonada pelo universo imobiliário).
Antes de iniciar os pontos, penso ser pertinente esclarecer o que é a posse e a propriedade de maneira objetiva.
POSSE: Uso e gozo do imóvel. Posso usufruir do imóvel e gozar dos produtos e serviços provenientes do bem. Tenho meu direito de uso de “x” forma ou tempo assegurado, sem, contudo, poder DISPOR desse bem.
O que seria dispor do bem? Eu não posso alienar a outrem. Não posso oferecer ele em garantia, não posso vender. O uso cessa com falecimento da pessoa (conforme caso e contrato). Não passa a propriedade para sucessores.
Já a PROPRIEDADE, vem lhe dar todos os direitos de USO, GOZO e DISPOR. É seu! Com registro na matrícula e proteção post mortem.
Dito isso, é possível vislumbrar claramente a maior diferença entre a sistemática do time sharing adotada no Brasil e a de Multipropriedade. Reforça-se:
O contrato de time sharing, assim como na multipropriedade, fala em ”tempo compartilhado”, “hospedagem por tempo compartilhado”, “vacation club”, “time sharing turístico”, entre outras. Suas cláusulas obrigam e concedem direitos e obrigações à ambas as partes, de maneira alinhada em semanas de uso, agendamento, prazo de vigência, impossibilidade de venda, menção à taxa de afiliação, taxa de manutenção/administração; Falamos aqui de prestação de serviço, regida pela Lei Geral de Turismo, Código Civil e, também, Código de Defesa do Consumidor.
O Time Sharing, compreende-se como direito PESSOAL, que, garante o USO e GOZO do bem imóvel transacionado (cessão de uso), por meio de um contrato particular o qual chamamos de “contrato de adesão” (a um clube, programa de férias, imóvel com diversas opções de serviço acopladas).
O Consumidor compra o direito de uso do bem de maneira antecipada, podendo, em alguns casos, usufruir de outros benefícios/programas turísticos com empresas parceiras em troca dessas horas adiantadas, como se fossem créditos para diárias.
Sobre o registro desse tipo contratual ainda há discussão perante cartórios e muita omissão sobre o tema.
De outro norte, temos a Multipropriedade, DIREITO REAL, que garante USO, GOZO e DISPOR do bem.
Abarcada também pelo código civil, a multipropriedade possui lei própria (a recente já mencionada Lei 13.777 de dezembro de 2018), podendo, ainda, se socorrer pela Lei 4.951/64 no que se refere a formação de convenção, regimento interno, taxas de administração, manutenção e formatos de decisões de impacto aos proprietários.
Também oferece a ideia de tempo compartilhado, com semanas estabelecidas entre os quotistas, cronograma e parâmetros de uso.
Diferente do Time-Sharing, a multipropriedade imobiliária envolve o processo de compra e venda de fração do empreendimento, tornando-se dono (proprietário) de parte do bem imóvel. Entretanto, ainda quanto ao registro em matrícula, apesar da ideia sugerir viabilidade quando pensamos em um imóvel comum de propriedade de diversos herdeiros, a multipropriedade ainda segue desamparada de norma que insira o instituto como direito real tipificado em lei. Desta feita, dada a lacuna legislativa, muitos cartórios seguem resistentes ao registro. Ignorando a importância do direito à ser resguardado e a publicidade a que o instituto deve ter (seja para consulta de venda, bens, sucessão, etc).
De toda forma, apesar da resistência, vislumbra-se na Lei de Registros Públicos o artigo 246, que, encaixa-se perfeitamente à necessidade de averbação do ato que por qualquer modo possa alterar o registro, não vindo importar a natureza ou rol taxativo do 167 da mesma Lei. Ainda é discussão pendente de julgados, requerimentos e projetos de lei a fim de suprir tais lacunas.
Mesmo com tal resumo, sem detalhes e de maneira objetiva a que se requer em uma matéria informativa (e não nota técnica), ambos os institutos se tornam complexos na prática, pois, ainda não se tem a perfeita obediência a um padrão único contratual para a atividade regida pela Lei Geral de Turismo e a Lei da Multipropriedade. Coexiste uma miscelânea de conceitos juntos, práticas e mesmo termos, confundindo consumidores, proprietários, corretores, advogados e acreditamos que até mesmo a administração da sistemática.
Dito isso, reafirma-se sempre a necessidade de se olhar além do texto, compreender o objetivo da normativa, se ater ao objeto do contrato e aplicar as diretrizes legais específicas, sem esquecer de replicá-las na prática.
Se para órgãos e especialistas ainda é latente a discussão, inexiste motivo para que, ao negociar tempo compartilhado de uso, você procure profissionais habilitados da corretagem imobiliária e advogados especialistas para condução de sua orientação e amparo.
Carolina Pavão é advogada em Santa Catarina, membro da OAB.SC sob n. 35.851, atuante há 14 anos na área imobiliária, membro do Instituto Brasileiro de Direito Imobiliário, Consultora, Palestrante, Professora no Curso de documentação Imobiliária, Técnica em Transações Imobiliárias, Pós-Graduada em Negócios Imobiliários, Imobiliário Aplicado, Tributário e Empresarial.
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