Considerando a inegável importância prática e jurídica do registro público de compra e venda, é necessário observá-lo para evitar perda ou restrições de direitos.
É muito conhecida aquela parêmia que diz “quem não registra não é dono”, mas há quem desconheça o seu real significado e alcance junto à sociedade brasileira.
De fato, o Código Civil brasileiro (CCB) dispõe, em seu art. 1.227, que “os direitos reais sobre imóveis constituídos, ou transmitidos por ato entre vivos, só se adquirem com o registro no Cartório de Registro de Imóveis dos referidos títulos (arts. 1.245 a 1.247)”, o que implica que, enquanto não registrado o título hábil a transferir a propriedade junto ao cartório competente, o alienante continuará sendo visto como o dono do bem, o que pode acarretar situações bastante desagradáveis ao adquirente, já que permanecerá na condição de mero possuidor.
É o que aconteceu, por exemplo, com uma importante empresa do setor de agronegócio, situada no nordeste brasileiro, que, inconformada por não ter sido comunicada pelo INCRA (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária) do conteúdo de um decreto presidencial que declarava o seu imóvel como sendo de interesse social para fins de reforma agrária, e, portanto, passível de desapropriação, ajuizou um Mandado de Segurança contra o Presidente da República, tendo indeferida a liminar pleiteada. Como justificativa à sua decisão, a Ministra Hellen Gracie argumentou que a comunicação dos atos foi feita a quem de direito, ou seja, à pessoa considerada proprietária do bem imóvel junto ao respectivo Cartório de Registro de Imóveis (STF, 2009).
Ora, não é suficiente a celebração de uma promessa de compra e venda (leia-se aqui, também, permuta ou outra forma de alienação), nem mesmo a outorga da escritura definitiva de compra e venda para que o adquirente do bem imóvel seja considerado o seu proprietário. Tais documentos constituem, unicamente, um primeiro e importante momento na relação negocial, mas não são hábeis a transferir, de fato, a propriedade, que, como visto acima, somente se dará com o posterior registro da escritura definitiva junto ao Cartório de Registro de Imóveis competente. Isto é o que determina o art. 1.245, também do CCB, senão vejamos:
Art. 1.245. Transfere-se entre vivos a propriedade mediante o registro do título translativo no Registro de Imóveis.
§1º Enquanto não se registrar o título translativo, o alienante continua a ser havido como o dono do o imóvel.
Aliás, neste sentindo é importante observar que, conforme assevera o art. 118 deste mesmo diploma legal, “não dispondo a lei em contrário, a escritura pública é essencial à validade dos negócios jurídicos que visem à constituição, transferência, modificação ou renúncia de direitos reais sobre imóveis de valor superior a trinta vezes o maior salário mínimo vigente no País”, razão pela qual nem mesmo a própria promessa de compra e venda é suficiente para visar à transferência da propriedade, sendo indispensável que, antes de ser o bem imóvel encaminhado para registro, seja outorgada, ao adquirente, uma escritura definitiva de compra e venda. Esta é que constituirá o instrumento hábil à posterior transmissão da propriedade junto ao Cartório de Registro de Imóveis.
A promessa de compra e venda, a bem da verdade, só confere ao promitente comprador a expectativa do direito real de propriedade, gerando a obrigação, por parte do promitente vendedor, da posterior outorga da escritura definitiva, em caso de cumprimento das obrigações pactuadas, nada mais. Trata-se de um direito de natureza meramente pessoal que, caso seja violado, ensejará o pedido de indenização por perdas e danos contra o seu agressor. Este entendimento é o que melhor se ajusta à doutrina e jurisprudência pátria, sendo interessante descrever a ementa de um acórdão exarado pela 1ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais que sabiamente resume a questão:
PROMESSA PARTICULAR DE COMPRA E VENDA – DIREITO PESSOAL – FALTA DE REGISTRO – DIREITO REAL INEXISTENTE. Mero detentor de promessa particular de compra e venda não detém o domínio do imóvel, tendo apenas um direito pessoal, que se converte em perdas e danos, não podendo anular a escritura dada pelo promitente vendedor a outrem, se não cuidou de antes registrar o seu título. O art. 1.418 do Código Civil de 2002 veio revigorar a vetusta expressão “quem não registra não é dono”, que inadmite o direito de sequela.
(Apelação Cível nº. 1.0525.01.006633-6/001. Relatora: Desembargador Vanessa Verdolim Hudson Andrade).
Como consequência natural do argumentado, insta salientar que, ainda que ocorra a alienação de um mesmo imóvel a pessoas distintas, em momentos distintos, será proprietário aquele que proceder ao registro da escritura definitiva em primeira instância, independente de ter sido este quem primeiramente “adquiriu” o referido bem. A legislação civil pátria busca, com isto, premiar aquela pessoa que foi mais diligente, garantindo uma segurança nas relações jurídicas engendradas no seio da sociedade, já que, ao terceiro de boa-fé, não é exigido o prévio conhecimento de negócios imprimidos sem a publicidade devida, firmados unicamente entre as partes interessadas. O Superior Tribunal de Justiça, aliás, foi incisivo ao determinar:
CIVIL. VENDA DE IMÓVEL A DUAS PESSOAS DISTINTAS. ANULAÇÃO DE ESCRITURA E DO REGISTRO. IMPROCEDÊNCIA.
É só e só circunstância de ter havido boa-fé do comprador não induza que se anule o registro de outra escritura de compra e venda em que o mesmo imóvel foi vendido a uma terceira pessoa que o adquiriu também de boa-fé.
Se duas distintas pessoas, por escrituras diversas, comprarem o mesmo imóvel, a que primeiro levar a sua escritura a registro é que adquirirá o seu domínio. É o prêmio que a lei confere a quem foi mais diligente.
(Superior Tribunal de Justiça, Recurso Especial nº. 1996/0051568-9. Relator Ministro César Asfor Rocha, DJ: 04/09/2000).
Segundo revela Venosa (2004), é perceptível, pela realidade social do país, que há milhares de imóveis cujas transferências se dão tão-somente por meio da assinatura de contratos, sem que o registro, de fato, ocorra em seguida. O autor aproveita para criticar o nosso atual sistema registral imobiliário que, a seu ver, deveria abranger um procedimento mais simplificado e acessível à grande parte da população. Em que pese a coerência de sua abordagem, o fato é que, hoje, vigora no país um sistema que só permite seja dono aquele que registrar o seu bem imóvel.
Assim é que, diante todo o esposado, é indispensável que as pessoas sejam diligentes no sentido de promoverem o registro daqueles imóveis que pretendem adquirir, evitando, assim, distúrbios e prejuízos, muitas das vezes, insanáveis, como o que aconteceu com a indústria de agronegócio citada no início deste artigo, à qual não foi conferido, sequer, o direito de participar da relação estabelecida em função do procedimento de desapropriação levado a efeito sobre o seu bem imóvel. Como estas, inúmeras outras situações são verificadas diuturnamente em nossa sociedade, impedindo ou violando direitos que se pensava, erroneamente, estarem resguardados.
Por: Josiane Wendt Antunes Mafra
Advogada, assessora e consultora Jurídica, especialista em Direito Público e mestre em Meio Ambiente e Sustentabilidade.
Articulista, parecerista e conferencista
Escritório Mafra e Antunes Advocacia e Consultoria
Site: http://www.mafraeantunes.com.br
Fonte: jus.com.br