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Não temos as pré-condições – crédito farto e taxas de juros reais negativas – para fazer uma bolha no país
Leitor escreve preocupado com uma possível acumulação de “bolhas” nos mercados de crédito, imobiliário e de veículos novos. A preocupação é com o estouro dessas bolhas e com suas consequências danosas para a atividade econômica e o emprego. Faz sentido a preocupação?
Diversos argumentos parecem justificá-las. Os preços dos imóveis sobem continuamente nas principais cidades do país, impulsionados pela expansão vigorosa do crédito. Em 2010, informa-nos o Secovi-SP, os preços dos imóveis novos já haviam subido 26% em São Paulo, no Rio de Janeiro e em Porto Alegre. Os imóveis usados aumentaram em 24%. A alta média, de 25%, foi a maior do mundo em 2010. Em dois anos, a valorização dos imóveis chegou a 52%. Somente em Hong Kong ocorreu valorização maior. Este ano, os preços dos imóveis no Brasil continuam aumentando, embora a taxas menores que em 2010.
O endividamento das famílias também justificaria as preocupações. Ele estaria ficando além da conta e, mais dia, menos dia, as famílias se tornariam inadimplentes e incapazes de honrar seus compromissos financeiros. A bolha estouraria.
O problema com esse enfoque é que não há qualquer evidência de uma bolha do crédito aqui. Se não temos uma bolha de crédito, diria o Conselheiro Acácio, não há como estourá-la.
Uma “bolha” ocorre quando o preço de um produto ou de um ativo aumenta de forma prolongada sem que haja qualquer justificativa nos fundamentos do mercado para esse aumento. Há diversas razões para que isso ocorra, mas tem se observado que há uma associação entre a persistência no aumento do preço do ativo e a expansão do crédito. Foi o que ocorreu no boom imobiliário dos EUA, por obra e graça de ingerências políticas na gestão das empresas estatais “Fannie Mae” (Federal National Mortgage Association, Associação Hipotecária Nacional dos EUA) e sua coirmã “Freddie Mac” (Federal Home Loan Mortgage Corporation, a Empresa Federal de Empréstimos Imobiliários).
Mudanças nas regras de empréstimos dessas empresas permitiram que mutuários sem os necessários colateral e renda tivessem acesso aos empréstimos imobiliários. O contínuo acesso permitiu o aumento da demanda por residências e refletiu-se na persistente subida do preço dos imóveis.
A sensação de riqueza dos mutuários com a valorização de seu patrimônio levou a novos empréstimos e assim sucessivamente, um trem da alegria que persistiu enquanto durou. A expansão do crédito permitiu que isso ocorresse por um lapso de tempo longo o suficiente para criar um megaproblema para a economia americana. O termo relevante no parágrafo anterior é “permitiu”. Caso o crédito não tivesse se expandido, rigorosamente não teria ocorrido uma “bolha”, já que o aumento dos preços das residências se autoextinguiria. Os preços teriam subido por um tempo e depois caído, sem maiores repercussões para a economia como um todo.
Tudo isso ocorreu, é claro, porque estava presente uma segunda característica indispensável: para que se forme uma bolha requer-se que o mercado pratique taxas de juros reais negativas – as taxas de juros de mercado, descontada a inflação esperada.
Nessas circunstâncias, vale a pena comprar qualquer ativo real, já que a valorização do imóvel justifica pagar as prestações. Enquanto o crédito permanecer farto e as taxas de juros reais forem negativas, a procura pelos ativos reais permanecerá aquecida e os preços continuarão subindo, independentemente de qualquer outra consideração. Como ocorre sempre nesses eventos, o estouro da bolha vem de fora. Em um dado momento, os efeitos do crédito farto e das taxas de juros negativas começam a afetar também outros mercados e a provocar pressões inflacionárias.
A partir de certo ponto, os bancos centrais aumentam as taxas básicas de juros para conter a inflação, elevando todas as taxas do mercado. Com o aumento das taxas de juros, os mutuários do crédito não são mais capazes de pagar seus empréstimos, tornando-se inadimplentes.
No caso do mercado imobiliário americano, onde o emprestador facilmente retoma a casa hipotecada, o mercado foi inundado por ofertas de vendas pelos novos donos, os bancos financiadores. Os preços caem, provocando uma espiral de preços em sentido contrário. É a isso que se chama “estouro da bolha”.
Não temos as pré-condições – crédito farto e taxas de juros reais negativas – para fazer uma bolha no país. As taxas de juros reais brasileiras estão entre as mais altas do planeta. O crédito, como proporção do PIB no Brasil, ainda está longe de seus similares desenvolvidos.
A única bolha que formamos aqui foi a inflação. Foi ela que inchou desde a eleição passada e que, salvo algum recuo momentâneo – como o que será comemorado com o número de outubro – deverá ficar fora do centro da meta até 2013.
[Este artigo foi originalmente publicado no “Diário do Comércio”, de São Paulo.]