Feirão da casa própria pode não ser tão bom quanto parece

Nesta sexta-feira 18/05/2012, chega a São Paulo a 8ª edição do Feirão da Casa Própria da Caixa Econômica Federal munida da sua tropa de vendas, balões, cafés grátis e toda produção digna de um evento publicitário. Tal como nos últimos anos, o evento deverá atrair milhares de potenciais compradores, porém, este ano o Feirão tem um elemento que o torna ainda mais atrativo: a queda dos juros para crédito imobiliário.

Alguns potenciais compradores que visitaram o Feirão da Casa Própria no Rio de Janeiro, declararam não sentir na pele (ou seria no bolso?) a redução da taxa de juros. Mas, afinal, é possível que os tão badalados cortes nos juros não beneficiem o consumidor? Será que milhares de propagandas, atores famosos, mensagem de prosperidade e o discurso da presidente em rede nacional foram em vão?

A priori a redução deveria ser benéfica e com um impacto imediato, uma vez que, as margens de lucro dos bancos no Brasil foram reduzidas de estratosféricas para enormes. No entanto, é necessário observar o comportamento dos preços dos imóveis antes de afirmar se o consumidor será ou não beneficiado pela redução nos juros, ou se a mesma representará uma mera transferência dos lucros dos bancos para as grandes construtoras. De forma bem simples, de que adianta pagar mais barato pelo dinheiro se o preço do bem, no caso o imóvel, estiver muito caro? Será que estamos vendendo a prataria para comprar o almoço?

Suponha que o consumidor pretenda comprar um imóvel com valor de R$ 300.000. Com a antiga taxa de juros de 10% ao ano, o consumidor que pretendesse financiar esse imóvel em 10 anos e sem entrada, pagaria uma parcela mensal de aproximadamente  R$ 3.893.

Se o preço do imóvel permanecer constante, com a nova taxa de juros de 7,9% o consumidor deveria pagar nesse mesmo financiamento uma parcela mensal de R$ 3.581 (i.e, uma diferença mensal de R$ 312,20). O ganho total do consumidor com esse financiamento seria, portanto, de R$ 26.154,.

Porém, o que aconteceria caso o preço do imóvel aumentasse? A medida que o preço do imóvel aumenta esse ganho total do consumidor de R$ 26.154 passa para o bolso das construtoras. Por exemplo, se o preço aumentar para R$ 315.000, o ganho da construtora aumentará em R$ 15.000, enquanto o ganho do consumidor será reduzido nesse montante, para cerca de R$ 11.154.

Perceba que,se o preço do imóvel aumentar em R$ 26.154,12, todos os potenciais ganhos do consumidor serão transferidos para as construtoras e, para qualquer aumento de preços superior a R$ 26.154 o consumidor passará a ter perdas, em vez de ganhos com a nova taxa de juros.

GANHOS E PERDAS COM A REDUÇÃO DE JUROS
Quanto mais sobe o preço dos imóveis, mais os clientes perdem, mesmo com juros menores; nesta simulação, os compradores perdem a partir de R$ 330 mil

Imagine um bolo que deve ser dividido entre banco, consumidor e construtora. Ao reduzir os juros o banco abre mão de uma parte desse bolo e, com isso, sobra mais para dividir entre consumidor e construtoras. Porém, dependendo da “fome” e da “gordice” das construtoras, elas podem abocanhar todo o pedaço de que o banco abriu mão e, nesse caso, o consumidor não seria beneficiado podendo até ser prejudicado pela redução da taxa de juros.

Nesta festa de aniversário, o primeiro pedaço vai para o banco que financia e o segundo para as construtoras. O governo impôs um regime aos bancos, porém o setor imobiliário tem se mostrado faminto e em um regime de engorda com suas altas indecorosas de preço. O consumidor deve tomar cuidado para não acabar sem nada ou com um pedaço bem amargo.

Mesmo antes do início do feirão, partes interessadas no aumento dos preços e de olho na sobra do bolo já começam seu discurso.  Por exemplo, Celso Petrucci, economista-chefe do Secovi (Sindicato das Empresas de Compra, Venda, Locação e Administração de Imóveis Residenciais e Comerciais de São Paulo), afirmou que “essa redução dos juros pode ser utilizada de duas formas: quem não conseguia comprar imóvel pode ter o seu imóvel e, agora, quem tiver condição, pode comprar um imóvel 10% mais caro pagando as mesmas parcelas”.

Em muitos casos esse “imóvel 10% mais caro” será o mesmo imóvel, só que com o preço 10% superior. No exemplo acima, tal aumento do preço levaria o consumidor para uma situação pior mesmo com a redução dos juros, ou seja, com esse aumento do preço as construtoras teriam um ganho superior ao benefício de R$ 26.154 gerado pelo corte dos juros.

Em suma, o corte das taxas de juros cria um benefício que deve ser dividido entre consumidores e construtoras. A forma que as construtoras têm para se apropriar desse benefício é através do aumento dos preços dos imóveis, propagandas e um batalhão de corretores tentando fazer o consumidor acreditar que a oportunidade é “única”. Vale lembrar que quanto mais os preços aumentarem, menor será a “fatia” que sobra  para o consumidor.

A melhor forma de manter esses preços em patamares razoáveis é estimulando a competição no setor imobiliário e educando o consumidor para que não caia nas “liquidações imperdíveis”. Tarefa que não é tão fácil para o governo, pois este não possui duas ou três grandes construtoras que possa utilizar para forçar uma “guerra de preços” no mercado imobiliário, tal como utilizou a Caixa Econômica Federal e o Banco do Brasil para forçar a queda das taxas de juros.

A lógica se aplica também para uma série de outros mercados cujas taxas de juros para financiamentos diminuíram nos últimos tempos, como o mercado automobilístico. Em muitos desses mercados, a falta de concorrência faz com que os produtores possuam um grande poder de mercado que os permite influenciar os preços, de forma a apropriar-se dos benefícios criados pelo corte dos juros.

Se for comprar um imóvel, tenha certeza que o preço que está pagando é razoável, não se deixe levar por impulso ou pelas aparentes barganhas em taxas. Tome cuidado para não deixar sua parte do bolo nas mãos do faminto setor imobiliário.

Por: Samy Dana – Blogueiro do UOL

(* Colaborou Miguel Bandeira, graduando em economia pela EESP-FGV, consultor e conselheiro da CJE-FGV; Samy Dana é PhD em finanças e professor da EESP-FGV)

Fonte: UOL

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