Aplicação da Teoria da Imprevisão e as definições de ‘força maior’ e ‘caso fortuito’ serão palco principal do Judiciário
O que será do mercado imobiliário brasileiro após os impactos do novo coronavírus?
Em meio à uma das crises sanitárias mais agudas da história, que já é comparada a outras epidemias que marcaram a humanidade, como peste negra, varíola, gripe suína e outras, a população brasileira vem tentando se adaptar às novas regras de comportamento ditadas pela Organização Mundial de Saúde – OMS.
Todavia, não são só as pessoas que correm risco iminente de vida, de modo que as atividades empresariais já estão sendo afetadas em todo o país. Neste particular, destacam-se as Incorporadoras e Construtoras brasileiras, que já vinham lutando para sobreviver ao mercado imobiliário em recessão, enfrentando neste momento um cenário mercadológico ainda pior.
Até o momento, os impactos mundiais da Covid-19 no mercado imobiliário foram percebidos mais sensivelmente em Portugal e China, em que houve uma queda de 34,7% na venda de imóveis somente este bimestre e as pesquisas indicam que no Brasil os prejuízos podem ser ainda maiores.
Problemas com atraso em entregas de obra e obtenção de licenças para projetos imobiliários, que já eram questões enfrentadas pela maioria das incorporadoras brasileiras, agora tendem a se intensificar.
Diante deste panorama e considerando que o fim desta pandemia dará azo à grandes discussões jurídicas, tem-se correto afirmar que a adequada aplicação da Teoria da Imprevisão e as definições de “força maior” e “caso fortuito” serão palco principal do Judiciário por um longo período e as incorporadoras precisam estar preparadas para mais essa batalha.
Neste sentido, vale lembrar que o Superior Tribunal de Justiça (STJ), através do julgamento do REsp 860.277, firmou entendimento de que a referida teoria da imprevisão somente poderia ser aplicada quando o fato não estivesse coberto pelos riscos do contrato. Ou seja, somente quando o fato fosse extraordinário e imprevisível, ocasionando onerosidade excessiva para uma das partes integrantes do contrato, não estão cobertos pelos riscos objetivos e inerentes do negócio.
Fazendo-se uma análise mais detalhada, observa-se que tal entendimento atenta-se para 3 (três) elementos essenciais, quais sejam: i) superveniência de um acontecimento imprevisível; ii) alteração da base econômica objetiva do contrato; iii) onerosidade excessiva, os quais são extraídos do art. 478 do Código Civil.
A propósito, os limites para aplicação do referido instituto já foram parametrizados pela comunidade jurídica brasileira, tendo sido editado o Enunciado 365 da IV Jornada de Direito Civil: “A extrema vantagem do art. 478 deve ser interpretada como elemento acidental da alteração de circunstâncias, que comporta a incidência da resolução ou revisão do negócio por onerosidade excessiva, independentemente de sua demonstração plena.”, bem como o Enunciado 366 da IV Jornada de Direito Civil: “O fato extraordinário e imprevisível causador de onerosidade excessiva é aquele que não está coberto objetivamente pelos riscos próprios da contratação.”
Além disso, merecem relevo as definições de “força maior” e “caso fortuito”, previstas no art. 393 do Código Civil, que certamente serão exploradas neste momento de crise pandêmica.
Afinal, se já há na legislação meios de mitigar os prejuízos em caso de acontecimento de fato extraordinário e imprevisível, como inegavelmente é o surto da Covid-19 no Brasil e no mundo, os aplicadores do direito devem poder utilizá-los de forma adequada e salvaguardar não só a saúde das pessoas, como também a das sociedades empresárias.
Isto é, tal utilização não pode se dar de forma leviana ou sem profundidade, devendo-se atentar para os requisitos essenciais tanto da Teoria da Imprevisão, quanto da utilização do caso fortuito ou força maior, sendo certo que a atual pandemia se encaixa perfeitamente nessas hipóteses, circunstância esta que deve ser enfrentada pelos Tribunais em breve.
Portanto, por mais que toda a preocupação com a saúde seja legítima e necessária neste momento, alerta-se para um cenário de grave crise econômico-financeira das sociedades empresariais, em especial às Incorporadoras e Construtoras, as quais deverão se utilizar de todos os meios jurídicos possíveis para mitigar seus prejuízos.
Por: Bruno Prima – Especialista em Direito Empresarial e em Falências e Recuperação de Empresas pela Fundação Getúlio Vargas – Rio (FGV-Rio). Pós-Graduado em Direito Processual Civil (latu sensu) pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio). Graduado pela Universidade Cândido Mendes (UCAM). Advogado. Sócio do escritório TEIXEIRA PRIMA & BUTLER ADVOGADOS.
Fonte: JOTA