O costumeiro atraso na entrega dos empreendimentos imobiliários é uma realidade consolidada no Brasil, tal situação movimenta o judiciário em inúmeras ações ajuizadas anualmente. A legislação brasileira é uníssona ao garantir o consumidor o direito a indenização nestes casos, entretanto, quais serão as consequências jurídicas da entrega tardia do imóvel ocorrida em decorrência da pandemia do Coronavírus? imóveis
A escalada exponencial do Coronavírus nos últimos meses e a decretação de estado de calamidade pública acarretaram consequências em diversos setores da economia. As medidas de isolamento implementadas ao redor do mundo visando reduzir o número de infectados trouxe uma nova realidade para diversos setores de produção, que ainda não sabem como se comportar diante da ameaça, posto que não existe no mundo moderno, lições aprendidas para tal conjuntura. O FMI estima que, em decorrência da pandemia, a economia global terá o pior PIB desde 1929, com a Grande Depressão. imóveis
O mercado imobiliário já convive com essa nova realidade com a desaceleração econômica, a consequente diminuição na venda dos imóveis, e a edição de diversos decretos paralisando as obras da construção civil. Apesar dos investimentos anunciados pela Caixa, que visam incentivar o ramo, com a antecipação de recursos, é fato que a cadeia produtiva do setor vem passando por dificuldades.
Mesmo nos locais onde as obras não foram suspensas, as empresas sentem os impactos do COVID-19, como o comprometimento do fluxo de caixa, falta de fornecimento dos insumos, principalmente os importados, carência de mão de obra, aumento inesperado dos custos, queda na produtividade devido às restrições no ambiente de trabalho, inadimplementos contratuais, dentre outros. Esse cenário obviamente ocasionará diversos atrasos na entrega dos empreendimentos imobiliários, como o Judiciário deverá enquadrar as consequências jurídicas desta pandemia global e do colapso econômico decorrente?
O artigo 393 do Código Civil dispõe que o devedor não responderá pelos prejuízos se estes forem resultados de caso fortuito ou força maior, entendendo estes como eventos cujos efeitos são impossíveis de evitar ou impedir, impossibilitando a consecução da obrigação assumida. No mesmo sentido o artigo 625, I do diploma retro mencionado preceitua que o empreiteiro poderá suspender a obra por motivo de força maior. Apesar de ainda não existirem decisões neste sentido, é nosso entendimento que, os efeitos decorrentes do novo Coronavírus serão tratados pelos Tribunais como caso fortuito ou força maior, uma vez que o Congresso Nacional os já vêm assim tratando nos projetos de lei ora discutidos.
Desta maneira, os atrasos na entrega dos imóveis decorrentes dos eventos relacionados à crise global não podem ser considerados culpa da incorporadora, e compelir esta ao pagamento de indenizações e multas legal ou contratualmente estabelecidas causaria um desequilíbrio econômico-financeiro na relação contratual, acarretando sérios impactos para as empresas que já se encontram prejudicas pela situação econômica atual.
É importante destacar que as incorporadoras não pode simplesmente alegar os efeitos do COVID-19 como justificativa para os atrasos, sendo necessária a demonstração do nexo causal entre a entrega tardia do imóvel com os eventos relacionados à pandemia global, bem como a forma que a cadeia produtiva foi afetada no caso concreto.
Em tese, as incorporadoras já possuem o prazo de tolerância para a entrega do imóvel de 180 dias, arbitrados no artigo 43-A da Lei 4.591/1964, contudo, não nos parece equivocado que os magistrados acatem eventual prorrogação deste prazo visto que os efeitos do Coronavírus ainda se perdurarão por um longo período, principalmente no cenário econômico. O julgador precisará examinar o caso concreto de maneira ampla, analisando se o atraso foi proporcional ao período atípico que vivemos e se as provas juntadas aos autos corroboram com as teses elencadas, buscando sempre a verdade real e o melhor desfecho para a lide.
Em que pese existirem diferentes teses jurídicas que possibilitam a interpretação favorável a ambas as partes no que tange os acontecimentos relacionados ao COVID-19, a busca de meios alternativos para a solução dos conflitos, com tratativas negociais pautadas na boa-fé contratual, equilíbrio entre as
partes e o bom senso é a melhor saída, evitando assim batalhas judiciais custosas e infindáveis.
Por Dra. Roberta Amaral, Advogada do MLA – Miranda Lima Advogados.