A O Financista, Emílio Fugazza afirma que avanço dos distratos termina neste ano, independentemente da crise
Apesar do momento de menor procura por imóveis, com mínima recorde na confiança do consumidor em meio à recessão econômica, a incorporadora Eztec (EZTC3) lançou em março um prédio em Moema, zona sul de São Paulo. Um empreendimento residencial com 38 unidades de área de 172 metros quadrados e uma estimativa de valor geral de vendas total de R$ 103,7 milhões. Em entrevista a O Financista, o diretor financeiro e de relações com investidores da Eztec, Emílio Fugazza, disse que o negócio representa uma “oportunidade”, não uma mudança de estratégia. Ele prevê recuperação do setor a partir do fim do ano.
“Se eu olhar o que estou praticando dentro da Eztec e olhar o que meus concorrentes estão fazendo, parece ter chegado em um limite de diminuição de preço em relação ao que já vivemos nos últimos meses. Tanto que de forma bastante interessante os últimos dois fins de semana foram muito bons no aspecto de vendas. E não houve uma retomada da confiança, mas houve uma sensação de que o preço já chegou em um ponto em que se torna bastante atrativa uma compra imobiliária novamente”, afirmou o executivo em conversa com O Financista na quinta-feira (7).
Se, por um lado, lançar menos indica menor volume de vendas, por outro, há a expectativa de aumento da geração de caixa – com a desova de unidades em estoque. Em empresas com problemas de alto endividamento, parte relevante deste excedente é engolida pelos bancos. Já quem tem caixa positivo pode beneficiar o acionista.
Reconhecida no setor pelo volume alto de margem bruta (relação percentual entre o lucro bruto e a receita líquida), a Eztec terminou o último trimestre de 2015 com caixa líquido de R$ 165,6 milhões. “O fato de lançar menos significará dinheiro voltando, e isso significará uma geração de caixa que poderá proporcionar bônus adicional aos investidores presentes na companhia”, declarou Fugazza.
Além da perspectiva para as margens da empresa, o diretor de RI da incorporadora falou na entrevista sobre os distratos e os descontos de preços que vêm ocorrendo no setor imobiliário. Veja, a seguir, os principais trechos da entrevista:
O Financista: A Eztec havia sinalizado que não lançaria mais nada até que o cenário melhorasse. No entanto, fez um lançamento recente. O que mudou?
Emílio Fugazza: Fizemos a opção por lançar um produto voltado para a alta renda, na região de Moema. É um apartamento no qual atingimos um público que tem capital próprio, é menos dependente de crédito e, portanto, tem esse capital disponível para investimento ou disponível para essa aquisição. Geralmente, o produto vinculado à alta renda é um produto mais resiliente porque quem compra esse tipo de negócio está comprando com objetivo mais caracterizado para uso dele ou da família e isso significa menos disposição ao longo do tempo para mudar de ideia e, eventualmente, distratá-lo.
Considerando essa situação, a gente acreditou que, independentemente do cenário, o produto se adequava tranquilamente ao momento atual. Havia uma carência desse tipo de apartamento no bairro, nós tínhamos condição de praticar um preço bastante adequado para esse tipo de produto e sabíamos que esse preço iria atrair compradores interessados aqui na região. Então não foi na verdade uma mudança de estratégia da companhia, mas uma decisão de usar um ativo da companha e fazê-lo virar já que tinha essa oportunidade.
O Financista: De maneira geral, como andam os distratos?
Fugazza: Quando você analisa as entregas que estamos fazendo neste ano são entregas que se originaram em vendas de lançamentos do ano de 2013, eventualmente algo de 2012 considerando nosso ciclo de entrega de três anos. Então muitos desses compradores ainda estão passando por mudanças no seu perfil econômico, seja pela questão de emprego, pela insegurança, e isso faz com que o distrato ainda esteja nominalmente crescente. Isso tem significado que um trimestre após o outro os distratos têm sido maiores.
Na minha opinião, isso tende a acontecer em todo o ano de 2016 porque as safras de lançamento de 2012 e 2013 foram bastante representativas. Até aquele ano, o setor estava crescendo. Com isso o volume de vendas é grande e conforme vão chegando as entregas nós veremos distratos acontecendo.
Embora, como disse, os distratos são sempre maiores a cada trimestre, o final disso naturalmente será este ano, independentemente de como a crise econômica se desenvolve. Simplesmente porque dali para frente os volumes de entregas também vão diminuir.
É um ano onde já é esperado que um pouco de distrato terá de ser administrado pelo setor por meio de aumento de estoque. A partir daí começaremos a ver redução de estoques e, portanto, redução de distratos. Este ano ainda não – 2016 ainda é ano de trabalhar bastante com isso.
O Financista: Podemos pensar em uma recuperação do setor para quando?
Fugazza: O setor tem três pilares fundamentais. Confiança do consumidor, disponibilidade de crédito e disposição do incorporador em investir. Se esses são os três pilares, preciso pensar o que vai motivar cada um deles a proporcionar o retorno do volume de lançamentos do setor.
No caso do crédito esse depende muito mais do setor de incorporação juntamente com o setor financeiro em achar alternativas para o funding da poupança, que é um pilar fundamental para gerar crédito ao cliente final. E a poupança está sendo bastante afetada neste momento, mensalmente há informações de saques superiores a depósitos porque a população acaba precisando desse valor. E este é um dinheiro que usamos para financiar clientes. Este é um primeiro lado. A recuperação aqui só vem no decorrer dos anos.
O segundo pilar é confiança do consumidor, que se restabelece por meio principalmente da estabilização do nível do emprego. Isso não aconteceu, ainda com as taxas de juros elevadas e a crise política que estamos passando, o país esta parado. País parado significa que há demissões todos os dias. Com isso não há melhora na confiança do consumidor.
Diante disso temos o terceiro ponto do pilar que é a confiança do incorporador de voltar a investir. O incorporador só volta a investir quando ele vê a confiança retomada e o problema da poupança endereçado. Um fator está completamente conectado ao outro.
Na minha opinião, desconsiderando critérios técnicos, e só considerando decepções, me parece que a partir do momento em que houver redução do nível de entregas, você começará a ver bairros, por exemplo, na cidade de São Paulo e na região metropolitana, com carência de lançamentos imobiliários. De alguma forma, independentemente dos três fatores, isso vai motivar incorporadores a voltar determinados lançamentos porque simplesmente há uma demanda por inércia naquele lugar para um número restrito de pessoas que eventualmente tenham crédito ou capacidade de pagamento.
Não vamos voltar tão cedo aos volumes que praticamos nos últimos anos, mas o setor começa a voltar na minha opinião já a partir do fim deste ano.
O Financista: Há um cenário de incorporadoras praticando grandes descontos e aceitando outros bens como entrada. Isso tem afetado como o setor?
Fugazza: A compra imobiliária é baseada em confiança do consumidor, mas não só isso. Ela é baseada também em segurança. É o contrário dos países desenvolvidos, onde eles entendem a compra imobiliária muito mais como um leasing do que efetivamente como uma compra. Eles não entendem que aquilo é um bem que proporciona segurança ou estabilidade econômico-financeira. No Brasil é completamente diferente. O imóvel é um bem de raiz, é uma propriedade que te transmite tranquilidade, inclusive com o próprio processo de envelhecimento que sofremos. E é nisso que reside uma parte importante do sonho do brasileiro, a casa própria.
Diante disso, quando eu falo em descontos, eu estou, de alguma forma, destruindo algum tipo de segurança ou credibilidade que aquele cidadão vê no imóvel. Se ele pensa que vai pagar um determinado valor e que daqui alguns meses este valor pode não ser mais verdade, ou seja, poderá comprar por um preço menor, na verdade ele fica quieto e não se motiva a comprar até entender que a situação se estabilizou.
Eu diria que os descontos foram uma realidade ao longo dos últimos oito meses, e foram mais realidade porque alguns incorporadores estão em uma situação financeira bastante delicada. Diante disso, a minha impressão, por enquanto, é que nós estamos agora no começo do segundo trimestre chegando talvez no ponto de estabilidade dos descontos que foram oferecidos.
Se eu olhar o que estou praticando dentro da Eztec e olhar o que meus concorrentes estão fazendo, parece ter chegado em um limite de diminuição de preço em relação ao que já vivemos nos últimos meses. Tanto que de forma bastante interessante os últimos dois fins de semana foram muito bons no aspecto de vendas. E não houve uma retomada da confiança, mas houve uma sensação de que o preço já chegou em um ponto em que se torna bastante atrativa uma compra imobiliária novamente.
O Financista: Gestores de ações têm a Eztec como uma das preferidas do setor, destacando as margens. Mas elas caíram agora. Quando elas voltam?
Fugazza: Pensando na Eztec especificamente, olhando lá atrás, em 2006 e 2007, as margens da companhia quando era de capital fechado ainda eram entre 40% e 50%. Abrimos o capital e em 2008 a margem bruta da companhia desceu para 40%, depois paulatinamente retomamos, voltamos para os 50%, navegamos lá até o ano passado. Fizemos tudo isso porque o setor viveu o boom imobiliário. Talvez o primeiro boom imobiliário verdadeiro desde a década de 1970.
Isso me leva à seguinte consideração: quando olho para os próximos anos nós não vamos passar nem perto de ter um novo boom imobiliário. Teremos retomada do setor. É natural ter retomada porque há carência de habitação em vários bairros, em várias cidades. O movimento de incorporação vai continuar, é uma atividade preponderante, mas não voltará tão cedo um movimento de quantidade da forma que vimos nos últimos anos.
Isso significará que qualquer tipo de estratégia de preço no setor vai ser muito mais cautelosa. Por outro lado, cautela significará também adquirir terrenos para uma nova conjuntura. Mas de qualquer forma os incorporadores já têm terrenos. E estes terrenos foram comprados para um momento do mercado imobiliário que era muito diferente do que se demonstra hoje.
Acredito que você terá margens um pouco menores para todas as empresas. As margens diminuirão por conta de diminuição de preços que já foram praticados, e não acredito em retorno tão cedo das margens. Ao menos até que consigamos enxergar, de novo, a existência de uma fonte de financiamento ao setor tão importante e tão grande quanto foi a poupança nos últimos anos. Enquanto isso não existir, para massificar de novo a compra imobiliária para muitas pessoas, as margens serão mais baixas do que foram praticadas nos últimos anos.
E as demonstrações de resultados das companhias no último trimestre têm mostrado essa tendência.
O Financista: Como o senhor avalia a ideia de que ações de incorporadoras focadas na baixa e média renda tendem a sobressair na Bolsa também por conta da terceira fase do Minha Casa, Minha Vida?
Fugazza: Estamos em um momento em que, quando pensamos em precificação de ação, entra um fator subjetivo o que é a questão política. Estamos vivendo uma certa dicotomia nessa história política no qual parece que os preços das ações das companhias estão vinculados ao fato da continuidade ou não do governo. O fato é que isso está, de maneira importante, atingindo o valor das companhias e a impressão e a imagem que elas têm aqui e fora.
O que eu tenho percebido é que na verdade o acionista estrangeiro está hoje com uma percepção melhor a respeito das oportunidades que a Bolsa está oferecendo do que o próprio investidor nacional. O investidor nacional está contaminado por esse cenário político e econômico que estamos vivendo de uma maneira preponderante.
Então o que vem acontecendo, por exemplo, no caso da Eztec, é uma migração de base do nacional para o estrangeiro. Hoje o free float da companhia tem uma participação do investidor estrangeiro como maioria. Por outro lado, considerando os números que reportamos e se pensar que a Eztec reportou nos últimos oitos anos de companhia de capital aberto um retorno sobre o patrimônio acima de 20% todo ano, acho que uma companhia como essa valer menos do que seu patrimônio líquido na Bolsa, mesmo em um momento bastante delicado, não representa o valor da companhia.
Só que o entendimento completo que este investidor pode ter sobre a companhia só ocorre no momento que ele pode entender melhor o que vai acontecer com a economia do país nos próximos anos. Se ele entender que vai existir um incremento da confiança do consumidor para volta de vendas mais robustas de apartamento no mercado imobiliário é natural que esse ajuste passe a ser muito rápido. Enquanto ele não enxerga isso, ele na verdade acredita que o que vale na companhia é uma parte do patrimônio que a companhia tem hoje, e não a capacidade que ela tem de gerar resultados futuros.
Nós, por outro lado, dentro da companhia, continuamos trabalhando para que a economia consiga gerar resultados futuros porque os acionistas e os controladores que detêm a maioria do capital da companhia sabem o valor que é trabalhar no mercado imobiliário todos esses anos de maneira séria e competente para gerar esses resultados e, portanto, acreditam que mais cedo ou mais tarde isso vai ser refletido no preço da ação.
Fonte: Financista