O corretor de imóveis no direito brasileiro: aspectos relativos à sua responsabilidade civil

É de conhecimento geral, que o “Direito” e a “sociedade” são elementos que se pressupõem e, assim, não há Direito sem sociedade, bem como não há sociedade sem Direito, surgindo ele justamente como um elemento de pacificação social.

Neste sentido, as pessoas quando agem na vida social devem estar pautadas por um comportamento juridicamente aceitável, o que não significa que este comportamento tenha que estar descrito ou não em uma Lei específica. É que a vida em sociedade quase nunca estará exaurida somente em uma Lei, sendo o Direito algo mais amplo por congregar, além da norma jurídica, os fatos e valores que lhe são subjacentes.

Sob este prisma, é possível afirmar, com exatidão, que as pessoas, em sua vida pessoal e profissional, são responsáveis pelos atos que praticam e por suas consequências na esfera jurídica de outra pessoa. É o que acontece com a figura do “corretor de imóveis” no exercício diário de seu mister.

Com efeito, o próprio Código Civil, em seu art. 723, estabelece que o corretor, enquanto intermediário de negócios, é obrigado a agir com prudência e diligência no exercício de sua função. Traduzindo para o dia a dia da profissão, isto significa que o corretor deve fazer o negócio como se o fizesse para si mesmo ou algum familiar, devendo estar atento a tudo que envolve a transação imobiliária.

A propósito, é visível que mais atribuições vêm sendo, paulatinamente, transmitidas ao corretor, pois, hoje, ele deixa de ser um mero compilador de documentos, para também se aprofundar no produto que está oferecendo, a fim de que as informações que cheguem ao consumidor final sejam verdadeiras, transparentes e elucidadoras.

Importa mencionar, neste ponto, que o corretor é aquela pessoa capacitada e perita no mercado imobiliário, cuja função é aproximar o adquirente e o alienante numa operação imobiliária. Atua, pois, não somente como um “vendedor”, mas, ainda, como um consultor imobiliário e como tal responde pelos riscos não informados e, ainda, pelas consequências advindas de seu dolo ou culpa (negligência, imperícia e imprudência). Assim é que sua obrigação é de resultado da operação – salvo algumas situações onde é premiado o seu esforço –, e só assim terá direito ao recebimento da comissão. É o que afirma Sílvio de Salvo Venosa em sua obra “Contratos em Espécies” (Vol. III. São Paulo: Atlas, 2002. p. 555):

Raras vezes, o corretor executa somente a intermediação. Ele oportuniza o contato dos interessados no imóvel para que se conclua o negócio. Se o negócio foi realizado, isto é, houve sucesso na aproximação entre o comitente e o terceiro, obteve resultado útil, o corretor será remunerado. Por se tratar de intermediação de contrato de resultado, caso houver insucesso na operação, não terá direito à comissão.

Via de regra, pois, o contrato de corretagem é aleatório, já que se subordina a um evento futuro e incerto. Há sempre em foco o êxito final. O corretor de imóveis aproxima uma terceira pessoa ao comitente (seu contratante) e a mediação somente termina quando o negócio está concluído, para, assim, ter direito a sua comissão.

Óbvio que como em qualquer negócio jurídico, as partes além de capazes para as tratativas, têm que observar a licitude e possibilidade do objeto (não adianta querer vender imóveis na lua, por exemplo), bem como a forma descrita em Lei. Não só o proprietário é, no caso da corretagem, o responsável pelo bem negociado, mas também o corretor. Daí ele responder civilmente quando autor causar dano a terceiro. Afinal, toda contrariedade à ordem jurídica é passível de caracterizar um dano indenizável.

A responsabilidade civil do corretor de imóveis pode ser, neste prisma, subjetiva ou objetiva, sendo que o princípio da culpa rege a primeira delas, enquanto o do risco da atividade esta última. Enquanto na legislação cível impera a responsabilidade civil subjetiva, onde se perquire se houve ação ou omissão dolosa (intenção) ou culposa (negligência, imperícia ou imprudência) do autor do fato, o dano e o nexo de causalidade entre este e o ato; nas legislações especiais, como o Código de Defesa do Consumidor (CDC), é possível vislumbrar a responsabilidade civil objetiva, que independe da culpa.

O princípio da culpa, que impera junto ao sistema tradicional de responsabilidade civil, indica, como visto, que ninguém poderá ser obrigado a ressarcir um dano se não tiver sido o seu causador, agindo de maneira intencional (dolo) ou, ao menos, descuidada. Não obstante, foi indispensável – devido aos acontecimentos históricos e ao surgimento de uma sociedade de consumo de massa, onde cada vez menos é possível negociar aspectos de um contrato de parte a parte – uma mudança de perspectiva no sistema de responsabilidade civil, o que culminou no surgimento de novas normas no intuito de regular aqueles danos provocados em virtude das relações consumeristas, já que se começou a verificar a ocorrência de muitos acidentes de consumo.

Assim é que, pelo CDC, ficou estabelecido, em seus artigos 12 e 14, a responsabilidade pelo fato do produto e pelo fato de serviços, como forma de controlar possíveis danos provocados por produtos ou serviços defeituosos, resultando na reparação de danos pelo simples fato deles e do nexo causal existirem, prescindindo de se investigar o dolo ou a culpa do agente. Por vezes, a culpa é presumida pela Lei, em outras esta se ampara na teoria do risco da própria atividade desenvolvida pelo agente.

O que se percebe é que a legislação consumerista deu destaque ao dever de informação e de advertência sobre os riscos do negócio. Afinal, a cada dia, o tempo das pessoas é mais escasso, exigindo-se do profissional capacitado o repasse de todas as informações possíveis, o que ocorre, sobretudo, num mercado altamente especializado e competitivo como o é o imobiliário.

Ora, o corretor é um perito em imóveis e a partir do momento que ele projeta esta imagem para o mercado consumidor, será esperado dele toda a prudência e cautela necessárias e exigidas pela legislação para que o negócio dê certo para todas as partes envolvidas. É o que determina, tanto a legislação consumerista, quanto a cível que, em seu art. 723, impõe ao intermediador a obrigação de executar a mediação com diligência e prudência, prestando ao cliente, espontaneamente, todas as informações sobre o andamento do negócio, bem como todos os esclarecimentos acerca da sua segurança ou do risco, das alterações de valores e outros fatores que possam influir no resultado das tratativas, sob pena de responder por perdas e danos.

Assim é que o profissional deverá estar sempre atento às restrições urbanísticas, ambientais e fiscais que porventura recaiam sobre o imóvel, informando, ainda, sobre possíveis dificuldades a serem enfrentadas para financiamento, bem como sobre situações duvidosas ou incertas do objeto negociado, não fazendo, jamais, promessas que não poderá cumprir. Isto também é estar atento à segurança do negócio junto às partes envolvidas. Isto significa agir com transparência e com o seu dever de informação. Se não seguir estes parâmetros mínimos, correrá sério risco de ser responsabilizado, como no caso abaixo retratado. Senão vejamos:

Ação de cobrança. Aquisição de imóvel com débito de IPTU e taxa de água. Existência de execução fiscal. Legitimidade passiva do corretor de imóveis que tendo acompanhado a negociação não realizou a diligência mínima com relação à situação fiscal do imóvel, induzindo o comprador em equívoco. Inocorrência de prescrição. Aplicação da regra do art. 2.028 do CCB com a contagem do novo prazo feita a partir da entrada em vigor do novel regramento. Responsabilidade dos vendedores e do corretor pelos valores relativos a IPTU, taxa de água e despesas efetuadas para defesa em execução fiscal. Não ocorrência de dano moral. Ausência de nulidade de citação, aspecto examinado de ofício e no intuito de evitar discussão em futuros embargos. Deram parcial provimento ao recurso. (grifei)

(Recurso Inominado nº. 71000814731. Câmara Cível do TJRS. DES. Heleno Tregnago Saraiva. 27.04.06).

No mais, o corretor tem que estar atento aos mandamentos éticos que regem a sua profissão, mandamentos estes que se constituem não apenas em uma carta de recomendações, mas em diretrizes obrigatórias a serem cumpridas cujos objetivos vão além de resguardar o adquirente interessado e o alienante, perpassando pela valorização de sua profissão. Daí é que o profissional deve mencionar sempre o número de sua inscrição nos meios de publicidade utilizados, só podendo, pois, exercer o mister após justamente obtê-lo junto aos órgãos de fiscalização do sistema COFECI-CRECI, com prévia submissão a um curso de transações imobiliárias e ao exame de proficiência, o que é exigência, por sinal, da profissionalização crescente do mercado.

O que é perceptível é que – apesar de ser uma profissão muito cobiçada e há mais de cinquenta anos regulamentada – muitos corretores não estão atentos aos seus deveres e aos cuidados necessários na realização dos negócios imobiliários, correndo risco de responderem por atos de desídia, justamente ao repassarem riscos desnecessários a terceiros. O fato é que hoje não mais prevalece no mercado aquela versão do tido como “picareta” ou que vive de “bicos”, que vende desde o sabonete, aos móveis, carros e imóveis, pouco conhecendo o produto ou serviço oferecido e nada se importando com aquele que irá adquirir. Hoje o que impera é aquele profissional especializado em imóveis, que encara todos os ônus e bônus daí decorrentes.

Por: Josiane Wendt Antunes Mafra

Advogada, assessora e consultora Jurídica, especialista em Direito Público e mestre em Meio Ambiente e Sustentabilidade. Articulista, parecerista e conferencista

Escritório Mafra e Antunes Advocacia e Consultoria
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Fonte: Jornal A Voz

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