Mas advogados afirmam que prática proibida ainda existe
Vera Batista
Compradores de imóveis na planta comemoraram a decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) que proíbe a cobrança de juros antes da entrega das chaves. No último dia 14, os ministros da 4ª Turma, por unanimidade, rejeitaram um recurso da Queiroz Galvão, consideraram a cobrança abusiva e obrigaram a construtora a pagar em dobro a taxa cobrada de 1% ao mês. A economia para os clientes pode chegar a 13% ao ano. Mas, mesmo com a decisão da Corte, a atenção ao assinar contratos deve ser redobrada. Associações de mutuários, empresas e o Ministério Público ainda se desentendem sobre o assunto.
Na avaliação do advogado Leandro Pacífico, da Associação Brasileira dos Mutuários da Habitação (ABMH), entretanto, a determinação do STJ não só firmou jurisprudência, como também pode retroagir para outros contratos ou para quem já está com ações na Justiça. “O STJ tem o poder de pacificar divergências entre os tribunais regionais”, lembrou. A confusão fica ainda maior no caso específico do Distrito Federal. Em 1997, 27 empresas ligadas à Associação de Dirigentes de Empresas do Mercado Imobiliário (Ademi) firmaram contrato com o Ministério Público (MP) concordando, entre outras cláusulas, em extinguir a cobrança dos juros anteriores à chave.
Conduta
Em 2001, novamente, construtoras e MP assinaram outro Termo de Ajustamento de Conduta (TAC), reforçando a intenção. Hoje, os envolvidos no acerto garantem que, na região, a prática, que já havia sido vetada formalmente pelo Código de Defesa do Consumidor, não existe. “Está claro. Se uma empresa de fora quiser agir diferente, estará indo contra a cultura de Brasília”, disse Wilson Charles, gerente comercial da Emplavi Realizações Imobiliárias Ltda. “Se isso acontecesse, as concorrentes denunciariam”, afirmou o promotor Trajano Sousa de Melo.
O presidente da Ademi-DF, Adalberto Valadão, garantiu que, entre suas associadas, que representam mais de 90% do mercado local, há mais de 20 anos não se menciona o “juro no pé”, como é chamado pelo setor. “Somos a primeira unidade da Federação a concordar. Fomos até criticados, à época, por assinar o termo. Garanto que as 82 empresas daqui nem pensam nisso.” A advogada Enô de Souza, entretanto, assegurou que existem dezenas de ações contra os juros cobrados antes do Habite-se. “As construtoras continuam fazendo o que querem e o Tribunal de Justiça (TJDF) às vezes concorda”, contestou.
O número
13%
Valor a que chegam as taxas anuais vetadas pelo STJ
Custo está embutido
O ministro Luis Felipe Salomão, relator do processo julgado pela 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), afirmou que os juros antes do gozo do bem é irregular porque “todos os custos da obra, inclusive os decorrentes de financiamento realizado pela construtora, estão embutidos no preço do imóvel oferecido ao público”. No caso, a compradora pagou correção monetária pelo Índice Nacional de Custo da Construção (INCC) e juros de 1% ao mês. Porém, o promotor Trajano de Melo alega que existe uma hipótese em que é possível cobrar esse percentual: quando a empresa transfere a propriedade do terreno.
Segundo Melo, se o contrato prever a venda do terreno e o compromisso de construir depois, a empresa entregou o bem e pode cobrar por ele. “Por isso, o mutuário deve ler absolutamente tudo”, aconselhou a advogada Enô de Souza. Ela lembrou que a cobrança do INCC é legal, porque representa a correção monetária dos valores no contrato de financiamento imobiliário. “Depois da entrega, cobram-se IGP-M, mais juro de 1%, e nunca antes. A ganância das empresas trouxe problemas sérios. Muita gente perdeu o imóvel, porque não teve como pagar”, insistiu.
O advogado Leandro Pacífico constatou que vários consumidores chegam até ele sem nenhuma informação sobre o assunto. “Alguns só percebem que são explorados quando observam um aumento abusivo da prestação”, afirmou. Esses mutuários não sabem que, se quiserem ser ressarcidos do prejuízo, terão que entrar na Justiça com uma ação individual, como fez a compradora com o processo contra a Queiroz Galvão que deu origem à decisão do STJ. Conforme explicou o promotor Trajano de Melo, esse é o melhor caminho. “Dificilmente, em acordo com o MP, as empresas devolvem em dobro”, disse. (VB)