Há mais de uma década, observo diariamente as movimentações do mercado imobiliário mundial. Desde então, o mundo esteve em transformação constante, mas o real estate tem sido um dos mercados menos impactados por tecnologias e mudanças da sociedade, mesmo após a onda “co” (coworking, coliving).
Porém o mundo que já começa a emergir após a chegada da Covid-19 será fortemente disruptivo para o mercado imobiliário. Mudanças que já vinham ocorrendo lentamente se somarão a uma nova configuração de mundo e aqueles que se atentarem agora aos sinais do fenômeno certamente sairão na frente.
Tenho a convicção de que um dos principais fatores da iminente revolução no mercado imobiliário será o trabalho remoto. Se bem conduzido, o home office pode significar ganho de produtividade, redução de gastos e qualidade de vida maior. Poderemos ver modelos híbridos, com parte do trabalho em casa e no escritório, mas acredito que, em geral, a redução na demanda por espaços físicos em ambientes corporativos não será marginal.
Como consequência, me parece improvável imaginar que o número de pessoas em trânsito nas grandes metrópoles não vá diminuir em, pelo menos, 25%. Somem-se as melhorias para gestão de trânsito proporcionadas pelo uso da inteligência artificial e poderemos ter, finalmente, um tráfego menor nas metrópoles!
Ainda nos escritórios, a necessidade de flexibilidade aliada a capacidade de expansão e diminuição das posições de trabalho serão ainda mais valorizadas, e por isso o conceito de coworking pode se consolidar como tendência dominante.
Com isso, os proprietários de laje corporativa podem se ver forçados a migrar de vez para a condição de prestadores de serviço. Significa dizer que inquilinos passarão a contratar a posição no prédio ao invés do metro quadrado, consumindo a experiência oferecida em um ambiente inspirador e deixando de lado o foco em acesso à internet, limpeza e gestão de escritório.
Para agradar os novos consumidores do mercado residencial, sairão na frente as incorporadoras que projetarem residências com um escritório que vá além de um quarto adaptado, que tenha qualidade, boa iluminação e silêncio para concentração.
Mas a mudança não se verá somente dentro da residência. Conforme o deslocamento diário para grandes centros seja dispensável, talvez as pessoas aceitem morar em zonas mais afastadas, com um preço por metro quadrado mais acessível. Esta será uma oportunidade para incorporadores buscarem por áreas nas quais o desenvolvimento de bairros planejados seja viável.
E para o mercado de hospedagem executiva, a capacidade de adaptação será vital para a sobrevivência. Imaginemos como será o turismo de negócios: por que alguém pegaria um avião para uma reunião que pode ser resolvida pela internet? Os hotéis para executivos deverão acompanhar a queda no movimento, o que pode levar a investidores a repensarem com criatividade a gestão de ativos no setor.
Já no comércio, shopping centers também devem sentir um impacto intenso. Provisoriamente, espaços disponíveis poderão ser utilizados por empresas de estoque de curto prazo, que realizem a entrega de produtos ligados ao e-commerce. No futuro, com o retorno dos consumidores, devemos ver uma aceleração na tendência do lazer se sobrepondo ao consumo.
O próprio ato do consumo também deve sofrer alterações, com um reforço ainda maior da compra online. Pessoas poderão ir aos shoppings para testarem produtos, mas o ato será finalizado por meio de um computador ou celular. Isso pode levar até mesmo os setores industrial e logístico a acelerarem a tendência de se adequarem para estarem mais próximos aos consumidores, já que entregas no mesmo dia ou no próximo serão cada vez mais comuns.
Escritórios, residências, loteamentos, hotéis, shoppings até galpões industriais: não haverá um único elemento da cadeia imobiliária a passar incólume pela pandemia. Caberá aos empreendedores aproveitar a onda com inteligência e antever as tendências. Enfim, teremos uma revolução de verdade no setor.
Por: Gustavo Favaron – CEO e Managing Partner do GRI Group
Fonte: Estadão