Corretor de periferia, profissão em alta

Profissionais liberais ganham dinheiro vendendo imóveis para as classes C e D

Formada em Administração e Direito, com três pós-graduações e passagens pelo Japão, Estados Unidos e Austrália, a empresária Solange Yamakawa teria condições de trabalhar como executiva de qualquer multinacional, quem sabe com escritório numa das regiões mais nobres da capital paulista. Mas é do outro lado da cidade, num bairro da periferia paulistana, que ela comanda uma equipe de 30 corretores de imóveis.

Na parede do prédio, um cartaz anuncia a contratação de mais profissionais, e sua equipe deve chegar a 100 no próximo ano. Com tino para o negócio, Solange quer aproveitar o boom imobiliário no segmento de baixa renda para inaugurar novos escritórios na região. Fez os planos com base em números concretos que estão movimentando toda a cadeia de imóveis em bairros afastados do centro e ainda com pouca infraestrutura.

A venda de unidades habitacionais para as classes C e D em algumas regiões periféricas de São Paulo cresceu até 200% entre 2007 (antes da crise) e este ano. Os dados são da Empresa Brasileira de Estudos do Patrimônio (Embraesp). No mesmo período analisado, de janeiro a agosto, bairros mais centrais, como Consolação e Santa Cecília, registraram queda de 15% na venda de lançamentos.

O mercado aquecido, impulsionado pelo aumento da renda da população e pelo programa Minha Casa, Minha Vida, do governo federal, levou para a periferia um fenômeno já visto em áreas nobres, em que profissionais qualificados migraram para a corretagem de imóveis não por necessidade, mas por ser um bom negócio. “Tem advogado, contador, administrador e até médico virando corretor na periferia”, diz Reis Ferreira da Silva, delegado do Conselho Regional dos Corretores de Imóveis de São Paulo, na zona leste.

A média salarial desses profissionais em bairros onde o foco é a habitação popular chega a R$ 8 mil mensais. Na corretagem há um ano e meio, Márcia Noda, de 32 anos, não se arrepende de ter deixado o cargo de chefia de recursos humanos numa empresa de segurança para vender casas e apartamentos em Itaquera. “Tenho clientes médicos e vi que o contracheque deles não chega nem perto do que consigo tirar no mês”, diz, envaidecida. A meta de Márcia é vender dois imóveis por semana, mas com frequência ela ultrapassa essa marca. Natural da zona leste de São Paulo e mãe de seis filhos, a corretora tem a seu favor a vantagem de conhecer bem a região e os anseios de quem mora ali. “Falamos a mesma língua.” Márcia sabe que a nova classe média quer apartamento com piscina, salão de festa, playground e espaço gourmet.

As grandes construtoras também querem parecer familiares aos clientes das classes C e D. Por isso, em vez de transferirem suas equipes de lugar, investem em parcerias com imobiliárias locais ou no treinamento de corretores independentes.

A Rossi, que tem 50% de seu negócio focado no chamado segmento econômico, aposta nessas duas frentes. “O mecanismo de venda é diferente”, explica Klaus Monteiro, diretor de vendas da empresa. “No Minha Casa, o negócio começa a partir da renda do cliente. Entender o programa é fundamental.” A Rossi tem uma equipe de 700 vendedores no País e vagas abertas para a contratação de mais 200.

Experts em puxadinhos. Mas não é só de lançamentos imobiliários que vivem os corretores da periferia. Ao contrário. Mais de 80% dos contratos fechados nesses bairros, segundo o presidente do Conselho Regional dos Corretores de Imóveis de São Paulo, José Augusto Viana, são de imóveis usados. E aí entra uma outra habilidade peculiar a esse profissional: ele tem de ser especialista em puxadinho – o que torna os contratos, em alguns casos, mais complexos do que os firmados em empreendimentos milionários.

Isso ocorre porque as famílias expandem suas casas sem comunicar e pedir autorização da administração municipal. “O contrato é feito em cima do direito de propriedade e não do direito ao imóvel em si, porque no papel ele não existe”, diz Viana.

A profissionalização do mercado imobiliário em regiões de periferia foi tema de estudo do pesquisador da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Alex Magalhães, no ano passado. Segundo ele, a compra e venda de barracos nas favelas fluminenses, onde vivem 1 milhão de pessoas, movimenta R$ 3 bilhões.

“Os contratos são feitos com testemunha, têm validade judicial e passam longe da informalidade.” O boom imobiliário só esbarra no acesso ao crédito. Quando os imóveis estão irregulares, as famílias não podem contar nem com financiamento, nem com o FGTS para a compra.

Por: Naiana Oscar

Fonte: O Estado de S.Paulo

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