No auge da especulação imobiliária, em 2006, a corretora Jennifer Nelson-Burgher comprou a casa de seus sonhos – o imóvel em estilo vitoriano de 280 metros quadrados em um bairro histórico de Stockton onde vivera desde os dois anos até seu casamento. As condições da hipoteca da casa, avaliada na época em US$ 400 mil, previam uma entrada de US$ 80 mil e mensalidades de US$ 16 mil por 30 anos. Com as comissões infladas pela intensa procura e pelos preços altos dos imóveis na cidade, a corretora pôde bancar a fatura mensal até o início de 2011. A ordem de despejo emitida pelo Bank of America chegou em suas mãos em agosto daquele ano.
A casa passara, então, a valer US$ 157 mil, mesmo com as melhorias feitas pela família. “Foi horrível porque eu era emocionalmente ligada à casa, onde cresci e me casei, e porque a minha reputação como corretora de imóveis estava arruinada”, relatou Jennifer, emocionada. “Meu casamento quase acabou por causa do despejo e meus três filhos ficaram deprimidos com o processo.”
Uma casa confortável, mas sem o charme e o apego da antiga residência, foi alugada por US$ 1.000 ao mês à família, graças à generosidade de amigos. Jennifer acreditava ter virado essa página de sua vida, quando recebeu, em maio, uma notícia “fantasmagórica”. O banco estava devolvendo a casa vitoriana e cobrando US$ 320 mil supostamente devidos. O imóvel, fechado havia quase um ano, fora vandalizado e hoje vale bem menos de US$ 152 mil.
“Eu não tenho dinheiro para consertar a casa nem para pagar essa dívida, muito maior do que a que deixei em agosto de 2011. Não sei quais serão as consequências dessa decisão do banco nos meus impostos e no meu crédito”, afirmou Jennifer, enquanto preenchia os formulários requeridos pelo banco para resolver o caso.
Jennifer foi apenas uma das vítimas do boom imobiliário estimulado pelo governo americano nos 2000, mesmo sendo conhecedora do mercado de Stockton e dos trâmites de compra e venda de casas. Ela trabalha no escritório Lela Nelson Realty, o mais conceituado da cidade e de propriedade de sua mãe, de quem a casa vitoriana fora comprada. Em 2006, porém, Jennifer não previa o colapso dos setores imobiliário e de construção dois anos depois, assim como María Carranza e todos os milhões de despejados.
Subprime clássico. A mexicana María chegou em 2001 nos Estados Unidos legalmente, vinda da Cidade do México, com a filha Michelle. Casou-se três anos depois com o jardineiro Cézar Carranza, com quem teve Júlio Cézar, e ambos decidiram fazer como os quatro irmãos de María estabelecidos em Stockton – comprar uma boa casa.
O imóvel escolhido tinha três quartos e três banheiros. Valia US$ 225 mil quando foi adquirido em 2004. O casal, com renda mensal de apenas US$ 2.500, não deu entrada e teria de desembolsar US$ 800 ao mês durante 35 anos para quitar a hipoteca. Era um clássico caso de subprime.
“Era possível pagar”, afirmou, para justificar não ter dado um passo demasiado ambicioso ao comprar a casa. “A gasolina custava barato e, nessa época, conseguíamos sair duas vezes por semana para jantar fora e ainda economizar no fim do mês.”
Em uma das renegociações, para reduzir o prazo para 30 anos, María foi induzida a aceitar uma taxa de juros variável por um agente financeiro. Quando se deu conta, sua dívida passara a US$ 350 mil, e as mensalidades, para US$ 2.200. O valor da casa, porém, havia despencado para US$ 115 mil.
A partir de 2008, a jornada de trabalho de Cézar foi reduzida, junto com o seu salário. María passou a fazer bicos em um salão de beleza. As contas domésticas não mais fechavam.
Em novembro de 2009, ela preparou o almoço de Ação de Graças para a família e, em seguida, mudou-se para um apartamento de dois quartos e um banheiro, alugado por US$ 775 ao mês. “Pensamos que iríamos passar a vida toda naquela casa. Meu marido ficou deprimido e eu, ainda mais”, disse ela. “Nós estamos ficando velhos e percebemos que não temos nada.”
María não foi a única em sua família a cair na armadilha imobiliária dos anos 2000.
Seus quatro irmãos compraram imóveis avaliados na época em mais de US$ 400 mil, apesar da renda considerada baixa. Três foram despejados. Apenas Gina Anaya conseguiu driblar o banco. Como a hipoteca estava apenas no nome de Gina, seu marido, José Luiz, comprou casa logo depois de ter saído a ordem de despejo. O preço já havia despencado de US$ 400 mil para US$ 150 mil.
“Todos os irmãos contribuíram para o José Luiz dar a parcela de 30% exigida pelo banco. Esse é o único final feliz na família”, contou María.
Fonte: O Estado de São Paulo