Ora, ora, com a baita crise imobiliária na Província do Grande ABC, micos espalhados por todos os quarteirões, homens e mulheres de venda desapareceram das mesas de restaurantes badalados ou discretos. Há quem afirme que alguns recorrem a marmitas, outros a bares populares; não faltam os que só lancham. A situação está preta.
Por isso, não acreditem em pesquisas de supostos especialistas em detectar o preço do metro quadrado de imóveis novos e usados. Não caiam na armadilha do lobby imobiliário. Há gente séria na praça, que atua com responsabilidade social, mas larga maioria transforma o setor num salve-se quem puder. Transformam em preço de venda anúncios de imóveis em sites específicos. Não há acompanhamento das vendas que se dão com redução dos valores. Ou é estupidez dizer que no mercado imobiliário estipulam-se valores lá em cima como espécie de banda larga às negociações?
Querem um medidor da temperatura do mercado imobiliário? Perguntem aos garçons. Eles vão dizer que a debandada é geral. Os corretores sumiram juntamente com potenciais compradores. Não perguntem aos corretores de imóveis como está a vida de cada um porque eles têm um código de honra profissional que os impede de dizer a verdade quando a verdade não é interessante. Os garçons não vão revelar os problemas da cozinha, mas de mercado imobiliário eles entendem. Primeiro porque acompanham discretamente as negociações nas mesas. Segundo porque sabem as razões de as mesas se esvaziarem. Acho que garçons dariam bons corretores de imóveis.
Filão esgotado
Procuro ler tudo sobre determinados assuntos da vida louca em que nos metemos. E o mercado imobiliário é um dos assuntos sobre os quais me debruço. Leio cada barbaridade que não tem tamanho. A força do dinheiro remove montanhas. Furos nágua viram sucesso de venda. Há muito alertei sobre os micos e os nichos na Província do Grande ABC. Hoje diria que os nichos são quase inexistentes, porque o que tinha que dar já deu. Os endinheirados da Província são cada vez mais minoria. Está provado em estudos já revelados aqui. Caímos do andaime da desindustrialização sem reposição de um terciário de valor agregado.
Traduzindo os nichos imobiliários: o que era um bom negócio voltado principalmente à classe média alta e aos ricos já não é mais. Esgotou-se o filão. Além do que, quando o sistema financeiro decide recompensar os investidores com juros mais elevados, há natural refluxo de investimentos em imobilizados. Sobretudo em imobilizados de ofertas excessivas. Sem contar que cada vez mais o estoque de crédito imobiliário avança e amarra a capacidade de financiamento das famílias por algumas dezenas de anos. A farra do varejo também se esvazia por conta disso. Há um novo mix de comprometimento de renda dos brasileiros ditado pela sede com que se foi ao pote do mercado imobiliário farto em financiamento favorecido.
Talvez o maior mico imobiliário da Província do Grande ABC seja o que já apontei aqui também faz tempo, embora deva admitir concorrentes às pencas. O conglomerado de apartamentos e salas comerciais batizado de Domo é uma festa de horrores. Aquela cordilheira de cimento no entorno do Paço Municipal de São Bernardo é uma caçapa cantada de frustrações. Oferecem-se salas comerciais a preço de banana. E apartamentos a preços de abacaxi. Quem tiver dúvidas que faça uma experiência. Basta simular interesse de compra ou aluguel. Há outros endereços menos votados mas com igual carga de dramaticidade negocial.
Mentiras protegidas
Não esperem que jornais de papel e digitais mostrem a realidade do mercado imobiliário. A arte da dissimulação é vergonhosa. Engana-se descaradamente o distinto público consumidor de informações. Um setor de ampla influência e abrangência socioeconômica segue protegidíssimo pela mentira e pelo engodo.
O Plano Diretor aprovado na Capital, por exemplo, é de safadeza semântica sem fim.
O prefeito Fernando Haddad vem com a maior cara de pau deste mundo dizer que é uma resposta dura aos predadores imobiliários. Bobagem. Abriram todas as portas e janelas à farra do boi nos grandes corredores viários em troca de uma promessa de que o sistema de transporte coletivo se tornará uma maravilha. Vende-se a termo um cenário fantasioso e compra-se a vista mais caos na mobilidade urbana. E os miolos dos bairros, então, infestados que serão por adensamentos suicidas?
O Secovi, sindicato da habitação, teatraliza a operação dos vereadores da Capital. Encena certo descontentamento. Tudo mais que combinado nos bastidores. Quem financia grandemente os políticos eleitos é o mercado imobiliário e as empreiteiras.
Voltando ao terreno regional, recomendo o máximo de cuidado aos interessados em imóveis. Procurem empresas que tratam a clientela com respeito. O Ministério Público do Consumidor de São Bernardo dispõe de dados estatísticos. Outros órgãos também. Mas mantenham olho vivo nos corretores de imóveis. Como em todas as atividades, há os éticos e os malandros.
O mercado imobiliário está em baixa, com viés de baixa ainda maior. Os preços desabam. A queda leve em relação à inflação, como apontam corporações lobistas disfarçadas de institutos de pesquisa, é embuste. A queda é violenta. Há descompasso gigantesco entre oferta e demanda. A paralisia da economia agrava ainda mais o quadro. Principalmente nesta Província de PIB vinculadíssimo demais à indústria automobilística, também em pandarecos. O ambiente para negócios na região, há muito à deriva, agora está muito pior, por conta das demissões e pré-demissões no setor automotivo.
Índice dos Garçons Atentos
À falta de um medidor confiável no mercado imobiliário, já que tudo que se tem nas praças em geral não passa de enrolação disfarçada de cientificismo, talvez o melhor mesmo seja perguntar ao garçom do restaurante mais próximo sobre o índice de ocupação das mesas pelos corretores de imóveis. Nos bons tempos de um passado ainda recente eles faziam a festa com convidados. Eram mesas divertidíssimas. Eloquentes. Agora parecem abduzidos. Desapareceram mesmo.
Há empresas do ramo com equipes volumosas que sentem inveja da média de gols da Copa do Mundo, porque seus comandados não encaixam uma venda desde o apito inicial da abertura da competição. O ferrolho suíço, que quase levou a Argentina à desclassificação, é fichinha perto do que os corretores de imóveis estão acusando a cada final de mês. Eles sofrem um bocado. Corretores mais experientes que ganharam rios de dinheiro e fizeram um pé de meia razoável para suportar a tempestade dão uma ou outra beliscadinha num restaurante de respeito. Não podem entregar a rapadura. Os vendedores retardatários estão acham-se vítimas de cilada. Meteram-se numa atividade vendida como céu, mas dão de cara com o inferno.
Já imaginaram os leitores se o Clube dos Construtores e Incorporadores incluísse em seus arranjos estatísticos um índice de frequência em restaurantes por corretores imobiliários? Será que interessaria inclusive à mídia que acredita ou finge acreditar que lhe passam a mais límpida das verdades? Que tal um Índice Imobiliário dos Garçons Atentos? Acho que valeria a pena. Quem sabe a entidade alcançaria prestígio que jamais teve entre os formadores de opinião que não se deixam levar no bico. Os garçons sabem das coisas. E, numa conversinha num canto, discretamente, contam tudo. De mercado imobiliário e tantas outras coisas menos publicáveis.
Por: DANIEL LIMA
Fonte: Capital Social