A crise financeira, que levou o índice de distratos (desistência da compra do imóvel) a chegar, em alguns casos, a até 50% das unidades vendidas pelas incorporadoras na planta, refletiu em aumento das demandas no Judiciário. Como não há previsão em lei de qual o percentual que deve ser devolvido ao comprador, em caso de desistência, muitos consumidores estão recorrendo à Justiça por considerar abusivo os valores retidos pelas construtoras. As empresas, por sua vez, alegam que o distrato ameaça a saúde financeira dos empreendimentos e afeta os interesses de todos os demais compradores envolvidos, que desejam receber o seu imóvel. Discutir esse impasse é um dos objetivos do seminário “A Incorporação Imobiliária na Perspectiva do Superior Tribunal Justiça: Proteção do Consumidor”, que será realizado na manhã desta quarta-feira, no auditório do STJ, em Brasília
— O boom da entrada de processos de distrato foi entre 2015 e 2016, mas já passou. Esses processos hoje estão no STJ. É necessário entender o momento do mercado. Ninguém pretende mudar o entendimento dos magistrados, mas é muito importante aumentar a previsibilidade das decisões. Só assim haverá segurança para aumentar os investimentos e possibilitar que o setor volte a crescer, gerando empregos e desenvolvimento. Portanto, é vital fazer esse interlocução entre os diversos segmentos, debatendo com os interesses em conflito de consumidores, construtores e fornecedores. Acreditamos que isso vai ajudar os tribunais a melhorar a jurisdição sobre o assunto — explica Tiago Salles, presidente do Instituto Justiça & Cidadania, entidade responsável pela promoção do seminário em parceria com o STJ.
Segundo o desembargador Werson Rêgo, um dos coordenadores do evento, atualmente, procura-se diferenciar o “consumidor final” do “consumidor investidor”, para se definir o que pode ser efetivamente retido e o que deve ser restituído ao comprador:
— No início, havia muita confusão. Qualquer um poderia simplesmente desistir do contrato e os percentuais de restituição eram elevados. Até que o Judiciário começou a perceber que as suas decisões estavam impactando negativamente o mercado imobiliário, estimulando desistências imotivadas, desistências de investidores, gerando ônus financeiros elevados às incorporadoras, descapitalizando-as, levando-as à quebra e, assim, prejudicando a concretização dos projetados demais compradores, que não pretendiam desistir, que com esforço mantinham em dia os seus pagamentos, mas que poderiam, mesmo assim, ficar sem o imóvel idealizado — explica o desembargador do Tribunal de Justiça do Rio.
Com uma visão bastante diferente do desembargador, a promotora Alessandra Garcia Marques, presidente da Associação Nacional do Ministério Público do Consumidor (MPCon), teme que haja retrocesso em direitos que protegem os consumidores:
— No caso da incorporação, desde o início do debate, o que se pretende é caracterizar quem compra um imóvel é um investidor. O que está na lei ou que foi conquista dos consumidores na jurisprudência agora é alvo do desejo de mudança por parte do mercado. Hoje, a jurisprudência assegura que o consumidor não perca mais do que 20% do que pagou, no caso de desistência. O mercado quer reter um percentual muito maior — alerta Alessandra, que será uma das palestrantes do seminário.
O evento, que conta ainda com a participação de executivos do mercado e juristas, será veiculado pelo canal do STJ no Youtube.