O distrato, que trata da desistência da compra ou venda do imóvel na planta, tem despertado grande interesse nos últimos dois anos tanto das construtoras quanto dos consumidores. O tema está em tramitação no Congresso Nacional. Representantes de construtoras e de consumidores devem fechar, em breve, uma proposta para a regulamentação do distrato. A proposta desenhada define alguns percentuais e valores. Quando o imóvel tiver o valor teto de até R$ 235 mil, por exemplo, a construtora poderá reter o custo da corretagem, além de 20% do valor já pago pelo comprador. Entretanto, o total não poderá ultrapassar 5% do valor do imóvel. Para imóveis acima desse valor, a empresa poderá reter o custo da corretagem, bem como o valor de até 50% das prestações já pagas, desde que o total não ultrapasse 10% do valor do imóvel.
A proposta tem prós e contras para consumidores e construtoras. De um lado, temos o consumidor que se sente lesado por não obter 100% dos valores já pagos, afora a impossibilidade de ressarcimento pelas despesas com comissão de corretagem. Por outro, temos as construtoras que também não estão satisfeitas com a proposta apresentada. Os percentuais de retenção são abaixo do desejado e não recompõem o prejuízo suportado com os distratos, além do fato de que até agora não se tem discutido corretamente a diferença entre o adquirente ‘consumidor’ e o adquirente ‘investidor’.
As construtoras poderão ser prejudicadas, ainda, com a rediscussão de temas já pacificados. Entre eles, o término do prazo de tolerância de 180 (cento e oitenta) dias para a entrega de imóveis sem a aplicação de multa. Ainda que a proposta tenha pontos favoráveis e desfavoráveis para ambos os lados, a participação do Poder Judiciário nesse acordo será fundamental para resolver a situação de milhares de ações judiciais que tramitam no país sobre o assunto.
É essencial debater e definir regras para o distrato de imóveis já financiados por instituições financeiras também. Exemplo disso é o caso de imóvel adquirido por alienação fiduciária – no qual o consumidor está inadimplente. Pela legislação que trata da alienação fiduciária, o consumidor inadimplente é intimado a pagar os débitos existentes, sob pena de o imóvel ser levado à hasta pública. Contudo, há consumidores que, diante dessa situação, pleiteiam o distrato e se colocam na mesma posição daqueles que pedem o distrato antes do financiamento do imóvel. Tal situação acaba gerando problemas para o consumidor, para a construtora e também para a instituição financeira que viabilizou o financiamento do imóvel.
É preciso lembrar, ainda, o cenário de crise pelo qual muitas empresas do ramo da incorporação imobiliária vem enfrentando. É cada vez mais comum a apresentação de pedidos de recuperação judicial de incorporadoras e construtoras junto ao Poder Judiciário – sejam empresas de pequeno, médio e grande porte. E a situação não é diferente também entre empresas de capital aberto.
Uma vez constituído o patrimônio de afetação, todo o empreendimento imobiliário é “blindado”, separado do patrimônio total da incorporadora. Ou seja, recursos oriundos da venda de unidades de um empreendimento ficarão vinculados à execução deste mesmo empreendimento e não poderão ser aplicados em obras diversas. Hoje em dia, muitos são os projetos que optam por esse modelo: SPE incorporadora, constituição de patrimônio de afetação e adesão do RET.
O assunto é tão relevante que, recentemente, os principais ministros, desembargadores, juízes, doutrinadores e advogados que atuam com Direito Imobiliário estiveram presentes em um evento sobre incorporação imobiliária promovido pelo Superior Tribunal de Justiça. Ficou claro, na ocasião, o recado de que o STJ está acompanhando esse assunto de perto e compreende a importância do tema para a sociedade. De acordo com os debates realizados no STJ, os ministros e toda a comunidade jurídica presente disseram que o projeto de lei sobre o assunto precisa tramitar rapidamente para que seja estabelecida uma diretriz.
Agora, o tema será destaque no workshop “Debates atuais sobre o mercado imobiliário no Brasil: distratos e patrimônio de afetação”, nesta quarta-feira, 26 de julho. O evento, que contará com as palestras de Rubens Leonardo Marin, gerente jurídico geral da Even Construtora e Incorporadora, e de Flavio Schaffer, sócio da Niss Incorporações, servirá para discutir as novas diretrizes para o mercado imobiliário.
Leandro Mello – Sócio coordenador do Departamento de Direito Imobiliário do escritório Braga Nascimento e Zilio Advogados
Fonte: Estadão