A Justiça de São Paulo condenou uma grande incorporadora a indenizar dois compradores que adquiriram apartamentos populares sem terem sido devidamente informados sobre as restrições legais impostas a esse tipo de imóvel. A decisão reconheceu a violação do dever de informação previsto no Código de Defesa do Consumidor (CDC) e determinou a devolução integral dos valores pagos, além de multa contratual e indenização por reformas.
O caso envolve unidades localizadas na região da Barra Funda, zona oeste da capital paulista, nos empreendimentos Flow Barra Funda II e Urban Barra Funda II, enquadrados como Habitação de Interesse Social (HIS-1).
Compradores só descobriram restrições no cartório
Os compradores desembolsaram R$ 504,3 mil na aquisição de dois apartamentos e investiram mais R$ 42,8 mil em reformas, com o objetivo de alugar os imóveis e obter renda mensal. No entanto, ao tentarem registrar as unidades no cartório, foram surpreendidos pela informação de que os apartamentos estavam classificados como HIS-1, modalidade destinada exclusivamente a famílias de baixa renda.
Por lei, imóveis enquadrados como HIS-1 devem atender famílias com renda de até três salários mínimos, além de possuírem restrições quanto ao uso, à destinação e à possibilidade de exploração econômica por um período que pode chegar a dez anos. Os compradores possuíam renda superior à permitida e não poderiam utilizar os imóveis para locação, o que inviabilizou completamente o objetivo da aquisição.
Justiça reconhece falha no dever de informação
Ao analisar o caso, o juiz Pedro Rebello Bortolini, da 8ª Vara Cível do Foro Central de São Paulo, entendeu que a incorporadora descumpriu o dever de informar de forma clara, precisa e ostensiva uma característica essencial do produto vendido.
Segundo o magistrado, a classificação do imóvel como Habitação de Interesse Social não é um detalhe secundário, mas uma informação determinante para a decisão de compra, pois impõe limitações relevantes ao direito de propriedade.
“A ré descumpriu o dever de informação sobre o enquadramento dos imóveis na categoria de Habitação de Interesse Social”, destacou o juiz, com base nos artigos 6º e 37 do CDC e no princípio da boa-fé objetiva previsto no artigo 422 do Código Civil.
O juiz também ressaltou que os contratos de compra e venda não mencionavam em nenhum momento que os imóveis estavam sujeitos ao regime de HIS, apesar de trazerem outras cláusulas restritivas. Para o magistrado, essa omissão reforça a violação à transparência contratual.
Incorporadora terá que devolver valores e pagar multa
Com o reconhecimento da culpa exclusiva da incorporadora, a Justiça determinou:
- Rescisão dos contratos de compra e venda;
- Restituição integral de R$ 504.313,56, referentes ao valor dos imóveis e à comissão de corretagem, em parcela única, com correção monetária e juros;
- Indenização de R$ 42.860,67 pelas reformas realizadas nas unidades;
- Aplicação da cláusula penal em favor dos compradores, mesmo prevista originalmente apenas contra o consumidor, conforme entendimento do STJ (Tema 971);
- Pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, fixados em 10% sobre o valor da condenação.
O total da condenação se aproxima de R$ 800 mil.O magistrado negou apenas o pedido de restituição das taxas condominiais, uma vez que os compradores estiveram na posse dos imóveis durante o período.
Empreendimentos em ZEIS e incentivos públicos
Os empreendimentos estão localizados em Zona Especial de Interesse Social (ZEIS-2) e foram construídos com incentivos municipais. Segundo informações do processo, os quatro condomínios da incorporadora na Barra Funda somam 1.796 apartamentos, sendo cerca de 60% classificados como HIS-1.
A empresa está entre as incorporadoras notificadas pela Prefeitura de São Paulo para prestar esclarecimentos sobre a correta destinação das unidades de habitação social.
Incorporadora afirma que vai recorrer
Em nota, a incorporadora afirmou que não realiza vendas de apartamentos para investidores na cidade de São Paulo e que respeita as regras específicas dos programas habitacionais, informando que irá recorrer da decisão.
Alerta para corretores de imóveis, imobiliárias e compradores
O caso acende um alerta importante para corretores de imóveis, imobiliárias e consumidores. A comercialização de imóveis enquadrados como HIS exige atenção redobrada quanto à comunicação clara das restrições legais, sob pena de responsabilização civil e financeira.
Para os profissionais do mercado imobiliário, a decisão reforça a importância de:
- Verificar o enquadramento urbanístico do imóvel (HIS, HMP, ZEIS);
- Informar claramente o comprador sobre limitações de uso e renda;
- Garantir que essas informações constem expressamente nos contratos e materiais de venda.
A omissão de dados essenciais pode resultar não apenas na rescisão do negócio, mas em indenizações elevadas, como demonstrado neste caso.
Processo: 4015132-49.2025.8.26.0100
Advogado dos autores: Marcelo Pacheco – Salles Ribeiro Advogados
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