A comissão de corretagem e a questão da possibilidade de venda e compra sem a intermediação de um corretor de imóveis na negociação em estande de vendas

Um dia após o julgamento do Tema 938 do STJ, nem sequer havia sido publicado o Acórdão do Recurso Representativo sobre a comissão de corretagem e o jornal do canal com grande influência no país e de grande audiência na noite do dia 25 de outubro de 2016 trazia a manchete: “Consumidores são enganados no ato da compra e venda, e além de pagarem ‘a mais’ pelo imóvel a título de corretagem não recebem o imóvel adquirido contratualmente, ao procurarem os corretores ‘contratados’ não conseguem nenhum retorno. Porém, o Superior Tribunal de Justiça entendeu que não é abusiva a cobrança de comissão de corretagem dos consumidores, de modo que mesmo diante da rescisão contratual, a comissão de corretagem não deve ser devolvida, pois foi um serviço efetivamente prestado”.


Com o julgamento do REsp nº 1599511/SP, o qual trata de Recurso Repetitivo e com a vigência do Novo CPC (que impõe ao julgador da primeira e da segunda instância observarem os julgamentos dos Recursos Representativos do Superior Tribunal de Justiça), os magistrados e os advogados praticamente sem medo de errar tem assumido que: “é devida a comissão de corretagem em contrato de venda e compra de imóveis na planta que estabelece a obrigação de pagamento ao consumidor, mesmo quando realizada a negociação em estande de vendas”, sendo apenas a cobrança de SATI abusiva, a qual constitui venda casada.

Contudo, há nítida omissão no referido Acórdão que não traz se a intermediação pode ou não ser feita sem um corretor de imóveis.

A Lei 6.530/78 em seu artigo 3º estabelece que:

Compete ao Corretor de Imóveis exercer a intermediação na compra, venda, permuta e locação de imóveis, podendo, ainda, opinar quanto à comercialização imobiliária.

Parágrafo único. As atribuições constantes deste artigo poderão ser exercidas, também, por pessoa jurídica inscrita nos termos desta lei.

Ora, eu posso vender um imóvel sem a intermediação de um corretor de imóveis? Eu posso comprar um imóvel sem a intermediação de um corretor de imóveis? A resposta é sim, mas lembra-se que há diversos riscos nas negociações e a presença de um corretor de imóveis, o qual tem a sua profissão regulamentada por lei traz uma segurança jurídica tanto para quem compra como para quem vende.

Ademais, não está aqui se desmerecendo a profissão do corretor de imóveis, pelo contrário, está se trazendo em pauta um ‘problema jurídico’. Problema?

Os corretores de imóveis, normalmente, não aceitam sequer uma discussão sobre o tema, pois obviamente está se discutindo o “ganha pão” de muitos deles, mas não é apenas os honorários dos corretores de imóveis que foram discutidos. É uma comparação simples que pode ser realizada, de honorários de advogado e de corretor de imóveis, a Constituição Federal traz em seu artigo 133 que o advogado é indispensável a administração da justiça e o artigo 103 do Código de Processo Civil estabelece que a parte será representada por advogado devidamente constituído nos quadros da OAB (capacidade postulatória). Contudo, há situação específica descrita no artigo 9º da Lei 9.099 (Lei dos Juizados Especiais), em que é facultado a parte, que possui competência e legitimidade, nas causas de até vinte salários mínimos atuar sem a presença de um advogado. Ou seja, se o cliente quiser ir no Juizado Especial sem a presença de um advogado e ingressar com uma ação a escolha é dele, respondendo aos riscos que existem de não estar acompanhado de um advogado (há inclusive recomendação da OAB para que as pessoas busquem um advogado, para que nenhum direito seja esquecido ou mesmo seja mitigado judicialmente). Há, também, exceção a regra, por exemplo ao se redigir um contrato, não sendo necessário que o mesmo seja redigido ou mesmo esclarecido à outra parte por um advogado, porém, é óbvio que o advogado por ser um operador de direito é a pessoa mais confiável para prevenção de eventuais problemas futuros. Mas pode-se ‘impor’ o pagamento de honorários advocatícios, como por exemplo: fazer o comprador pagar R$ 3.000,00 à título de honorários advocatícios do advogado que redigiu o instrumento de venda e compra? Justificativa: Ora, o advogado que redigiu o contrato não trabalhou gratuitamente e a construtora acertou com o causídico que a cada contrato redigido lhe deveria ser paga tal quantia, sendo inserida cláusula contratual que caberia ao comprador o pagamento. Resposta: isso, primeiro, não pode ser imposto ao comprador, e, segundo, se a construtora que contratou o advogado é ela que tem que pagá-lo e não o consumidor. Os honorários advocatícios nestes casos foram julgados no REsp nº 1599511/SP como ‘venda casada’, pois os honorários advocatícios faziam parte dos supostos serviços técnico-imobiliários (SATI).

No próprio REsp nº 1599511/SP, o Relator destacou que: “Além do pagamento da comissão de corretagem, têm sido transferidos ao promitente comprador os custos do serviço de assessoria técnico-imobiliária (SATI), consistente na prestação de esclarecimentos técnicos e jurídicos acerca das cláusulas do contrato e das condições do negócio.” […] “Verifica-se, neste caso, uma flagrante violação aos deveres de correção, lealdade e transparência, impostos pela boa-fé objetiva, tendo em vista a cobrança, a título de serviço de assessoria técnico-imobiliária (SATI), pelo cumprimento de deveres inerentes ao próprio contrato celebrado”.

Assim, houve declaração de que não há abusividade e não há venda casada na cobrança de comissão de corretagem em contrato de venda e compra de imóveis na planta que estabelece a obrigação de pagamento ao consumidor, mesmo quando realizada a negociação em estande de vendas.

Portanto, a pergunta que ficou em aberto e não foi respondida no REsp nº 1599511/SP e todos os demais Recursos Representativos (Tema 938 – STJ) é a seguinte: Se o comprador for corretor de imóveis da ‘Ximobiliária’ e a construtora entabular contrato de vendas do empreendimento a ser lançado apenas com a ‘Zimobiliária’, o comprador e corretor de imóveis pode comprar o imóvel diretamente da construtora, ou terá que contratar os serviços da ‘Zimobiliária’?

A resposta é difícil de responder, se o entendimento do Superior Tribunal de Justiça, PACIFICADO, por meio de julgamento de Recurso Repetitivo foi que não existe venda casada, e que não há abusividade no repasse de custos de corretagem ao consumidor, a lógica, portanto, é que o comprador e corretor de imóveis terá que entabular contrato de venda e compra com a construtora e ainda arcar com os custos de serviços prestados pela ‘Zimobiliária’, contrato de serviços de corretagem.

Mas o comprador e corretor de imóveis irá questionar ao seu advogado: “eu sou corretor e não preciso dos serviços de corretagem da ‘Zimobiliária’ e fui obrigado a contratar os serviços de corretagem para comprar o imóvel da construtora no estande de vendas, isso é legal?”

Olhando por essa óptica, verifica-se que o melhor entendimento é do REsp 519.260/RJ, que atribui os custos dos serviços de corretagem de seguro às Seguradoras, e que no caso em debate, a comissão de corretagem deveria ter sido repassada às Construtoras e Incorporadoras, pois foram essas que firmaram contrato de prestação de serviços de corretagem. Porém, as construtoras e incorporadoras conseguiram fixar na jurisprudência um entendimento atualmente que “de qualquer forma o consumidor irá pagar a comissão de corretagem direta ou indiretamente”.

5-motivos-pelos-quais-voce-deve-investir-em-imoveis-ainda-em-2016Todavia, recorda-se, o consumidor em questão não queria os serviços de corretagem imobiliária, pois era corretor e foi obrigado a ‘CONTRATAR’ tais serviços, e, não meramente a arcar com tais custos. Assim, nota-se, e é nítido que tais serviços não podem ser impostos, devendo ser facultativos aos consumidores a contratação de serviços de corretagem para que o pagamento da comissão seja declarada devida, e nos casos em que não há cláusula contratual de opção de contratação de serviços de corretagem, a declaração judicial, com base no Código de Defesa do Consumidor, só pode ser a que É ABUSIVO, devendo serem restituídos tais valores pagos pelo consumidor.

Cabe mencionar que este é o procedimento que está sendo requerido pelo Ministério Público do Estado de São Paulo, que ingressou com algumas ações civis públicas, obtendo êxito na determinação para que seja incluída cláusula contratual de OPÇÃO pelos serviços de corretagem aos consumidores:

Processo nº 0170051-55.2011.8.26.0100; Ação Civil Pública; 15ª Vara Cível – Foro Central Cível da Comarca da Capital do Estado de São Paulo; Juiz: Rogério Aguiar Munhoz Soares; DJe: 05/06/2013: “Diante do exposto e à luz de tudo o mais que dos autos consta, julgo PROCEDENTE esta AÇÃO CIVIL PÚBLICA que o MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL moveu contra o MRV ENGENHARIA E PARTICIPAÇÕES S. A. E o faço para o efeito de condenar a ré a cumprir a obrigação de fazer consistente em: a) modificar seu estande de vendas no local da obra, passando a informar ao consumidor, de maneira adequada, clara, precisa e ostensiva que a empresa de intermediação não se confunde com a vendedora, b) manter, em seu estande de vendas, representante próprio para venda direta de seus imóveis, garantindo ao consumidor o exercício de seu direito de escolha de pessoa intermediadora ou não, c) no caso de o consumidor optar pelos serviços de corretagem, obrigar a vendedora a assinar contrato de corretagem antes de se iniciar a negociação da compra e venda do imóvel, d) alterar seu contrato padrão de adesão de compra e venda de imóvel, incluindo-se informação clara, precisa e destacada ao consumidor, sobre a existência de contrato de corretagem e e) informar o consumidor de que ele pode optar pelos serviços de outras empresas de corretagem que não daquela eleita pela vendedora e presente em seu estande de vendas, ficando confirmada em todos os termos a decisão antecipada para a suspensão da prática comercial em causa até o ajuste do contrato-padrão, sob pena de multa diária de R$ 5.000,00”.

Enfim, constata-se omissão no Acórdão dos Recursos Representativos enfrentados no Tema 938 – STJ, de modo que deveria ter sido determinada a inclusão de cláusula de opção de serviços de corretagem pelo consumidor nos contratos de venda e compra em estande de vendas, e, ter sido determinada a devolução de valores cobrados a título de corretagem aos consumidores em contratos em que houve a imposição da cobrança. Esse entendimento é ao menos o que parece mais adequado à proteção dos consumidores descrita na Constituição Federal de 1988, no Código de Defesa do Consumidor e de acordo com a função social dos contratos descrita no Código Civil de 2002 (que mitigou o dever do cumprimento dos contratos).

Por: Marcelo Madureira

Advogado pós graduado em Direito Civil e Direito do Consumidor (2014). E, com título de especialização L.LM. em Direito de Negócios (2016).

Fonte: JusBrasil

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